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Autoridade social da instituição escola e cidadania solidária

Num tempo em que se fala de «revolução social da aprendizagem» e se elege a educação como um bem humano essencial, as escolas portuguesas são organizações em situação de sofrimento, investidas de mandatos sociais inconsequentes, carentes de estima pública e privadas do clima de liberdade necessário à sua respiração, à sua dinâmica vital e ao seu desabrochar. Adoptando uma definição proposta por Paul Ricoeur, chamamos «instituição» à estrutura organizacional que configura o regime de vida «com e para os outros» num determinado contexto histórico, assegurando duração, coesão e carácter a esse viver, considerando que uma democracia com instituições escolares fragilizadas é, certamente, uma democracia vulnerável.

Pensadas para responder a necessidades humanas, as instituições não são apenas edifícios, muros, paredes ou regulamentos mas sim unidades sociais vivas, animadas por pessoas de «corpo e alma». Mas precisamente por isso, porque em referência estão as pessoas, os seus problemas, os seus dramas, os seus interesses e os seus sonhos, as instituições são também edifícios, muros, paredes e regulamentos. Ao contrário de outros dispositivos intangíveis e extraterritoriais, como as redes sociais, por exemplo, as escolas são instituições, isto é, organizações ligadas a «um chão», a uma realidade física perceptível e muito con-creta, a um território de referência. A personalidade ou «rosto» de cada escola, o seu ethos organizacional, depende muito dos mecanismos que asseguram a sua inserção territorial, favorecendo relações de proximidade produtiva com outros actores sociais. Além do mais, a aprendizagem que acontece dentro da escola, e muito concretamente dentro da sala de aula, não pode ser dissociada daquela que se desenvolve fora dela, em especial no contexto familiar e na comunidade local.

Importa, nesse sentido, explorar linhas de intersecção entre a pedagogia escolar e a pedagogia social, sobretudo num tempo, como o da nossa contemporaneidade, marcado pela ameaça de agravamento das situações de pobreza, violência, desigualdade e injustiça social. Salientando, porém, que, subordinado a uma racionalidade sociopedagógica, o «social» a que nos referimos não se restringe ao universo da chamada «exclusão social», prendendo-se acima de tudo com o imperativo de construir solidariedade num mundo que nos surge cada vez mais deslaçado e obscurecido. Nessa medida também, importa defender a inserção social da escola mas prevenindo, por outro lado, a exaltação excessiva das virtudes da regulação sociocomunitária da educação, própria de um certo comunitarismo de tipo romântico.

Como instituição, a escola expressa um compromisso da sociedade para com os seus cidadãos, corporizando valores de cultura universal que, por definição, transcendem o universo dos interesses familiares e comunitários. A escola é um lugar de emancipação intelectual e de procura da verdade que resiste aos apetites de imediato, exigindo estudo, disciplina e lições. De uma forma singular, na escola celebra-se o privilégio de poder ser ensinado, que é como quem diz de poder acolher as verdades que vêm de fora e que, como tal, desafiam a mesmidade. Por esta razão, enquanto adulto especificamente preparado para a função educativa, o professor fará sempre a diferença. O respeito pela sua autoridade profissional, pela presença pessoal daquele que ensina, é condição fundamental para garantir a qualidade do desempenho das nossas escolas, enquanto «escolas do presente». Porque, na verdade, só através da posse subjectiva do presente nos tornamos capazes de futuro. O discurso em torno das «escolas do futuro» tende por vezes a desvalorizar a fecundidade do tempo vivido, sofrido, problematizado, partilhado e, nessa medida, sonhado.

Pelo lugar que ocupa no processo de desenvolvimento humano, a escola é uma instituição social por excelência onde, de forma privilegiada, se promove o «direito universal ao rosto». O ideal de igualdade e de universalidade que sublinha a nossa condição comum brilha em cada ser humano enquanto testemunho de uma irredutível unicidade. É essa misteriosa riqueza da subjectividade pessoal, posta em interacção em cada encontro humano, que nos permite falar da experiência relacional como uma experiência simultaneamente poética e política, onde desponta a crença em nós mesmos, nos outros, na vida e no futuro.

Neste sentido, mais importante do que tentar ser «o melhor do mundo», o melhor professor, o melhor aluno, a melhor escola, é tentar ser «o melhor para o mundo», respondendo com sentido de solidariedade ao outro que, sendo diferente, nos é próximo. É justamente nesta cultura de responsabilidade relacional que reside o tipo de excelência ética que determina a qualidade do desempenho escolar, enquanto expressão de uma liberdade comprometida com o bem comum. Por serem lugares educativos, as escolas carecem de espaços de convivialidade reflexiva e de ambientes paz relacional que ajudem instituir lugares de cidadania e de fraternidade num mundo onde seja possível encontrar «em cada esquina um amigo, em cada rosto igualdade».

Isabel Baptista
Universidade Católica Portuguesa, Porto.
Faculdade de Educação e Psicologia


  
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