Exploro aqui, em traços largos, a noção de experiência a partir de uma obra de Matthew Crawford, para ensaiar brevemente o seu cruzamento com os espaços de educação formal e não exclusivamente com aqueles dirigidos a um público adulto; o sentido do “resgate” é aqui duplo, quer repondo os saberes experienciais na rota do conhecimento, quer reconhecendo a experiência como apropriação e perceção singular que transcende uma noção de idade.
Em «Éloge du carburateur. Essai sur le sens et la valeur du travail», Matthew Crawford problematiza grandemente o desaparecimento das atividades artesanais, dos saberes construídos na relação física com os objetos, mas também da transição da relação que estabelecemos com esses mesmos objetos, da produção para o consumo. Segundo o autor, “o saber-fazer artesanal supõe que se aprenda a fazer uma coisa verdadeiramente bem, enquanto o ideal da nova economia repousa sobre a aptidão para aprender constantemente coisas novas: o que é celebrado são as potencialidades, mais do que as realizações concretas”. Nesta perspetiva, “o artesão orgulha-se da sua criação e estima-a, enquanto o consumidor, na sua procura febril do novo, está constantemente a descartar objetos que ainda funcionam perfeitamente”. Em síntese, “o imaginário do artesão é sem dúvida mais pobre do que o do consumidor ideal: a sua visão do mundo é mais utilitarista e menos inclinada a grandes devaneios da expectativa. Mas ele é também mais independente”, na medida em que a sua relação de fabrico ou de reparação de objetos lhe confere um sentido experiencial assente numa ação objetiva sobre o mundo físico que lhe é próximo, ação que ao transformar, o transforma – “saber tomar as coisas entre mãos significa igualmente ser tomado entre mãos pelas coisas”, tal seria o paradoxo da experiência do agir humano. Aqui se explicita a ideia do saber, que não é exclusivamente conhecimento – enquanto resultante de uma experiência pessoal, sob a primazia da subjetividade –, mas que é construção significativa que interroga saberes prévios, que os reconfigura e complexifica sob a primazia da objetividade; um saber que se funda numa história que nos antecede, mas igualmente um saber cuja construção interpretativa é singular, como singular é o nosso olhar sobre o mundo. A educação de adultos estrutura-se de acordo com estes dois princípios: o saber organiza-se a partir do espólio experiencial que o adulto, dada a longevidade da sua vivência, é suposto deter e, por outro lado, porque essa experiência é singular, admite-se que a construção do saber parte de uma apropriação, ela própria singular. Mas a educação de adultos afirma-se, no quadro das políticas educativas, segundo um princípio compensatório, destinado a remediar a impossibilidade de ter garantido um percurso escolar regular e gradual; é por aferição ao saber escolar que ela se legitima. Ora, importa perguntar se não é esse saber escolar que deveria tomar de empréstimo os princípios que norteiam a educação de adultos, reconhecendo a relevância do saber experiencial, saber que todos experimentamos, saber que cada um experimenta ao seu próprio modo. A experiência que cada criança, jovem e adulto carrega é a sua relação de interpelação do mundo e do mundo sobre si e, por isso, é a base da sua construção do saber. Quando a escola nega a experiência do sujeito no espaço formativo – quando a deixa fora da sala de aula –, torna explícitas duas coisas: a primeira, que os seus saberes de experiência são aqui irrelevantes; a segunda, que por essa mesma razão, o mundo da escola responde a uma qualquer ordem heterodeterminada que se converte, em grande medida, no busílis do trabalho escolar – compreender que ordem é essa. O binómio teoria-prática procura resolver o problema da aplicabilidade dos saberes, mas ao inscrever-se numa relação exterior ao sujeito em formação, não o forma, antes o conforma. É a separação entre o fazer e o pensar, historicamente fundada na separação entre saberes de aplicação e saberes de elaboração, que, ao desqualificar socialmente os primeiros, tende a confundir saberes de execução com saberes experienciais. Aquilo que a escola reproduz na sua matriz de aprendizagem é o princípio da resolução do problema (problem solving), quando aquilo que o mundo da vida nos solicita assenta no princípio da identificação do problema (problem finding). É nesta segunda perspetiva que se funda o mundo da experiência, isto é, “identificar com que género de problema estamos confrontados permite-nos saber que características da situação nos podemos permitir ignorar”.
Henrique Vaz
|