No que você está pensando? Assume que naquele momento teve muita vontade de falar do que pensava, no Facebook e na sala de aula. Pena que fosse impossível!
A adolescente tem nas mãos o celular que lhe permite estar sempre conectada, sem ter que carregar mais peso e abrir um notebook ou netbook para interagir com os amigos em qualquer lugar. Aquele tablet, que não deixa de ser menor, mais fino e mais leve, pode ficar para os momentos em que é melhor ver tudo em tamanho maior e sem ter que disfarçar. Este celular é o palmtop que ela sempre quis. Ali, por exemplo, mesmo com a professora já entrando na sala de aula, dá para esconder o artefato com alguma facilidade. Vai terminar de ver as postagens de alguns dos seus 537 ‘amigos’. É, tem gente de quem ela não se lembra mesmo, tem um monte que pediu para começar uma amizade e ela aceitou porque não queria a sua lista menor do que as das colegas. Tem gente que posta coisas sempre parecidas: o mesmo tema, o mesmo papo, etc. Mas também tem uma porção de coisas interessantes, revelações mil, que ela curte e, na maioria das vezes, comenta. Aquele celular, que sua mãe chama de vício, é a chance de estar com o seu Facebook o tempo todo. Fica pensando no modo como os mais velhos lidam com o telefone, assim usando tanto para falar e quase nunca para ler e escrever. Talvez seja porque gente mais velha enxergue menos, mas também porque esteja viciada em fazer sempre a mesma coisa com o aparelho.
A aula de História começou com a professora ligando o data show e projetando o tema na tela: “Revolução Industrial”. Há indicações de sites pesquisados logo depois. Bateu uma vontade de procurar no Google outros que não estão ali, mas tem gente mandando mensagem e ela precisa disfarçar o celular na perna, quase em baixo da mesa. Avisa que está em aula; o que significa que não vai poder escrever muito, ainda que continue ligada. As imagens se sucedem na tela pequena e na grande. Na primeira, um convite para uma festa que ela não quer mesmo perder (Será que vai dar para ir?). Na segunda, um desenho de homens quebrando uma máquina de tear em 1812. “Luditas” é a palavra em destaque. Impossível não pensar em postagens sobre professores que destruíram telefones usados por alunos durante as aulas (Professores luditas, revoltados com as mudanças nas salas de aula?). A relação estabelecida faz com que ela deixe um pouco de lado o celular. Fica indagando se o tal general Ned Ludd terá sido só uma lenda. Pelo visto não vai saber se ele existiu mesmo. Olha para a referência http://pt.wikipedia.org/wiki/Ludismo. Lembra-se de uma vez em que a professora colocou algumas dúvidas em um trabalho seu, feito a partir desta mesma enciclopédia. Tinha alguma coisa a ver com a impossibilidade de ter certeza do autor da matéria... Na tela do celular, a imagem vem bem a calhar. Sabe que é uma caricatura. Afinal, ficar tanto tempo no Facebook não lhe tira a capacidade de considerar os limites históricos e de contestar supostas autorias (Será uma qualidade de poucos?). Mas, também, o limite ali é bem claro: Dom Pedro I e internet não combinam (Será que alguém engoliria essa?). Olha em volta para tentar ver os colegas que também estão conectados. Pensa em perguntar a eles. Depois desiste, porque há muitos amigos que não são comuns e que acabam fazendo facebooks muito variados (Por que será que esta palavra não é usada no plural?).
Olha de novo para a tela grande. Continua pensando em autores, postagens, etc. Até sorri ao pensar como o Facebook ficaria com tantas referências bibliográficas. Não copiou o endereço daquela imagem com D. Pedro (Quem terá tido essa ideia?), nem o que estava na projeção feita pela professora (O Facebook tinha roubado a sua atenção ou o seu pensamento voaria longe mesmo sem ele?). Copiaria depois. Este não era um problema. Problemas, mesmo, eram aquelas postagens que se afastavam da caricatura evidente, como as muitas afirmações que poderiam não ter sido feitas pelos supostos autores. Pensa na pergunta sempre lá no alto da página inicial: “No que você está pensando?” Algumas pessoas parecem levá-la muito a sério. Respondem, contando seus pensamentos para todo mundo. Assume que, naquele momento, teve muita vontade de falar do que pensava, no Facebook e na sala de aula. Pena que fosse impossível!
Raquel Goulart Barreto
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