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Equidade na Educação: alimento ou remédio?

O combate da equidade é uma urgência, não pode nem deve ser atropelado por uma condição de crise socioeconómica. Pelo contrário, a promoção da equidade é um passo para sair da crise.

Convém distinguir – e as ciências sociais fazem-no – situação de condição. Uma situação é uma característica do contexto da vida da pessoa, temporária e suscetível de alteração por ação de quem a vive. Pelo contrário, a condição é uma característica relativamente permanente (ex: género, traços físicos, deficiência), cuja alteração não depende (ou depende pouco) da pessoa.
Temos pensado no impacto da crise económica e financeira na Educação em termos de situação, mas será uma situação ou uma condição? Parece claro, neste junho de 2012, que a crise não está aí para passar, até porque, quando “regressarmos aos mercados” e o crescimento da economia sair do vermelho, teremos a pagar uma dívida desmesurada, acrescida de juros avantajados e que certamente nos consumirão por dezenas de anos os (sonhados) ganhos de crescimento económico.
A Educação, a que destinávamos 5% do PIB em 2010, passou a receber 4,7% em 2011 e ficará, na melhor das hipóteses, com 3,8% em 2012 (Ministério das Finanças, 2011). Quando regressaremos aos 5%?
Talvez valha, pois, a pena começarmos a encarar esta crise não como situação passageira e alterável, mas como condição inerente às nossas vidas. E se vamos viver nesta condição, cabe perguntar quem vão ser os alunos mais afetados. A resposta poderia ser “todos”, mas é indubitável que os alunos com estatuto socioeconómico (ESE) mais baixo vão ser mais afetados.
Sabemos que existe uma curiosa pirâmide invertida quando pensamos no ESE e nos custos do ensino. Por exemplo, os alunos com pior aproveitamento e provenientes de um ESE baixo, que por isso teriam necessidades de serviços educativos adicionais, mais adaptados e baratos, são os que muitas vezes têm de pagar elevadas quantias em ‘explicações’ e constituem o grosso do recrutamento das instituições privadas de Ensino Superior, em que os custos do ensino são maiores.
É aos alunos que mais precisam de apoio que este apoio chega pior e mais caro. Vão ser eles, certamente, os que vão sofrer mais com a condição de crise, também porque, em tempos de recursos minguados e de grande competitividade do mercado de emprego, são as medidas de equidade educativa as primeiras a ser cortadas.
Uma deputada da Comissão de Educação, Ciência e Cultura, da Assembleia da República, estimava há pouco tempo um corte de 30 milhões de euros no sistema de Educação Especial em 2012. Estes cortes têm uma enorme perversidade – é que quando o garrote financeiro aperta, é possível optar entre duas despesas: ou se investe em serviços de apoio para prevenir e atalhar o insucesso ou se assume a despesa inerente à reprovação (turmas maiores, alunos mais um ano no sistema, etc.).
A opção – vê-se pelos 35% de alunos com 15 anos que já reprovaram – é pela segunda. E porquê? Porque os recursos de apoio são para pagar já e a reprovação é para pagar mais tarde. E enquanto o pau vai e vem...
Acaba de ser publicado o OECD Reviews of Evaluation and Assessment in Education: Portugal (www.oecd.org/edu/evaluationpolicy). Deste importante relatório se conclui como ainda é enorme o percurso que Portugal precisa de fazer em termos de equidade e que as reformas que nos podem aproximar dos países com melhores sistemas educativos não são as que reforçam a seleção e sublinham a excelência para alguns, mas aquelas que precocemente detetam, apoiam e investem na possibilidade de diversificar objetivos, estratégias, formas de apoio e de avaliação.
A condição de crise, não é novidade nenhuma, afeta mais os mais fracos; e afetando os mais fracos (isto é talvez menos conhecido e assumido), afeta todo o sistema educativo, porque o inibe de ser uma componente essencial da promoção da cidadania, do desenvolvimento, da sustentabilidade e da equidade de toda a sociedade.
Afinal, o tema da equidade não se confina aos mais fracos. Quando se fala em ‘escola inclusiva’ e em ‘equidade’, isto também significa a compreensão da interdependência e da globalidade das sociedades e, assim sendo, o combate pela equidade é uma urgência e não pode nem deve ser atropelado por uma condição de crise socioeconómica; pelo contrário, a promoção da equidade é, ela sim, um passo para dela sair.
Não se pense, pois, que a adoção de políticas de equidade é um remédio destinado a alguns; trata-se de um alimento básico de que todo o sistema precisa.

David Rodrigues


  
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