A questão parece simples. Há vários tipos de definições de educação. A mais simples é dizer que educação vem do latim: educare; desenvolver as faculdades físicas, intelectuais e morais; instruir; doutrinar; domesticar.
Tenho fornecido definições em vários textos. Num desses textos – A construção social do insucesso escolar. Memória e aprendizagem em Vila Ruiva – concluí que educar era formar cidadãos para fazer deles pessoas de saber social. Nos anos 1988-1989, nos verões escaldantes do lugar, as crianças, às dezenas, acordavam-nos às seis da manhã. Crianças entre os 5 e os 10 anos, hoje profissionais com actividades que denomino doutorais. Há dois tipos de saberes, o da mente cultural, definida no texto citado, deduzido de ver pais a ensinar crianças: “pega no livro, vai ao quarto e lê, caraças”. Nada podiam dizer: nunca tinham ido à escola. Pensavam no que mais amavam, semear batatas. Mandar estudar era a ambição dos progenitores verem os seus descendentes angariar a vida, impingindo o seu saber na interacção social. Objectivo bom para que os pudessem orientar dentro das avenidas do saber doutoral. Hoje em dia, os docentes de qualquer grau de ensino devem avaliar a sua actividade todos os dias. Preparar aulas, estudar para saber o que dizer, escrever ideias, explicar cada palavra da sua aula e, no fim de um dia bem ganho com a canseira de falar sempre, no intuito de tornar mais sábios quem os escuta e analisar o desempenho do dia. Dias que começam às 8 da manhã e acabam tarde, quase noite, pelas 20 horas. Modelo que tenho observado ao analisar crianças Picunche, no concelho de Pencahue, província de Talca (Chile). Modelo que manda que munícipes, homens de política, orientem as escolas primárias e secundárias da sua jurisdição. Em Portugal seria freguesia. Conceito freguês adequado: obediência, disciplina, ver, ouvir e calar. Formas de definir a transferência de saberes de uma geração a outra, sem carinho que arrebite o cansaço dos mais novos ou premeie com mais uma dúzia de tostões o deboche imerecido da exaustão desse fim de dia. Os docentes de Ensino Especial são os mais sacrificados: reúnem sempre, para comparar a metodologia de João de Deus, introduzido pela antiga subsecretária da Educação, minha amiga Ana Maria Toscano de Bénard da Costa: não foi ouvida. A opinião dos que trabalham com os que sofrem do espectro de autismo, pelo meu antigo orientando de doutoramento, José Manuel Pombeiro Cravo Filipe. Segunda ideia que aparece no meu pensar: educar é a ternura de transferir saber dos adultos aos mais novos. Saber que não existe em livro, que reside na mente do educador, pode-se encontrar na vida social e sociocultural. Grande dúvida de todos os que ensinam: ao ensinar, aprende com as perguntas colocadas pelos mais novos, questões como emotividade, racionalidade e erudição retirada da vida social e do saber histórico pragmático do sítio onde moram. Sítios de todos os países do mundo têm dois mapas: o que está no saber dos estudantes que andam pelo seu desenho de corta-mato, desconhecido pelos docentes que têm a delicadeza de andar pelos passeios, pelas ruas, pelas passadeiras. Poucos as respeitamos, na infantilidade que fica sempre dentro de nós ao desafiar, de forma parva, os carros que vêm de longe, a alta velocidade, adulto infantil que faz das ruas estradas. Não era por acaso que os sábios gregos definiam educação como processo que leva à democracia. Em «Ética a Nicómaco», Aristóteles diz em síntese: “A educação deveria inculcar o amor às leis, elaboradas com a participação dos cidadãos, mas a lei perderia a sua função pedagógica se não se enraizasse na virtude e nos costumes: a lei torna-se simples convenção, uma espécie de fiança que garante as relações convencionais de justiça entre os homens, mas é impotente para tornar os cidadãos justos e bons”. Estas são ideias que usamos com Paulo Freire, asilado no Chile. A sua pedagogia é simples, aprendi-a com ele na acção: todo o mundo sabe; é preciso retirar esse conhecimento e fazer razoar a mente que pensa. As escolas apenas precisam de levar os estudantes aos sítios materiais dos quais o saber é retirado, sem o indivíduo saber que sabe. A lógica do conhecimento, esta ideia define educação. Denomino-a de processo de ensino- aprendizagem. A cultura doutoral não é superior à prática pragmática de saber entender a vida natural. A cultura doutoral perverte professores e autoridades, que mandam avaliar o que se faz cada dia. Os mais novos precisam de adultos que os amem, descansados, para poderem raciocinar e assim ensinar. A consciência do professor é que o faz saber como e quando dizer não à burocracia. Acção ministerial que mata o amor ao ensino, pois quem nunca ensinou não faz ideia do que é o processo de ensino-aprendizagem. Processo nascido da interacção social. Os decretos assassinam o processo, ditados pela afamada sociologia industrial, que, nas suas práticas, dão cabo do saber das crianças, proletários do saber, com a burguesia a deter os meios de produção pedagógico nas suas mãos inexperientes. Educar é saber com amor, sem perseguições e controlos quotidianos que destroem quem sabe.
Raúl Iturra
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