As escolas e seus praticantes criam possibilidades de ações pedagógicas para outras compreensões do mundo e do que devem “aprenderensinar” os que estão entre seus muros.
Uma rua do subúrbio da cidade do Rio de Janeiro. Vila da Penha, bairro tradicionalmente habitado por famílias de portugueses que montaram comércio na região. Focalizando as casas de dois andares em ruas arborizadas, a câmera se localiza bem próxima ao muro da escola para dar uma idéia da longitude da rua. Um menino com roupas sujas e rasgadas anda na direção da câmera, catando lixo. Corta a cena. Segunda tomada: os alunos sobem a escada da escola. Uniformizados. Sorrindo. O corte na música que acompanha a entrada dos alunos indica a mudança na cena e a passagem para a terceira tomada. Sob um som de suspense, o menino cata o lixo em frente à escola. E come o que encontra. Novamente um corte para a última tomada: os alunos sobem a escada e entram na sala de aula. Um deles olha pela janela do 2º andar e consegue observar, sob o muro da escola, o menino que come lixo. O aluno ri e faz um comentário irônico sobre o catador de lixo. Uma colega o repreende e começam a cantar uma canção sobre preconceito. Esta é uma das cenas de uma das três curtas-metragens produzidas por discentes e docentes de uma escola municipal do Rio de Janeiro, como parte de um projeto de pesquisa do Laboratório Educação e Imagem da Faculdade de Educação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa/Rio de Janeiro e coordenação de Nilda Alves. Disponibilizando os artefatos tecnológicos para a produção dos vídeos, como câmeras e computadores, entre outros, o Labo ratório procurou compreender com esta pesquisa os diferentes usos que docentes e discentes fazem desses artefatos e as possibilidades que esses usos trazem aos processos curriculares e pedagógicos empreendidos pelos mesmos. Esse trabalho permitiu diferentes questionamentos sobre os processos de tessituras de conhecimentos e significações nas escolas, mas aqui chamamos especial atenção para o muro da escola. Muro que apoiou a câmera no momento da filmagem do menino catador de lixo. Muro que separava os jovens uniformizados do rapaz de roupas rasgadas. Embora este muro evidencie a exclusão e o fracionamento de uma sociedade com jovens escolarizados e outros não, este mesmo muro é filmado de dentro da escola por professores e estudantes que, ao produzirem o roteiro deste filme, mostraram que as questões, os valores, os conhecimentos que aparentemente são externos à escola fazem parte dos cotidianos de quem aprendeensina. Juntando as palavras para fugir da dicotomia, podemos dizer que estamos falando de conhecimentos e significações que estão dentrofora das escolas. No dentrofora daquela escola, nas redes de conhecimentos e significações de seus professores e alunos, surgiram as opções pelo tema do filme. Redes religiosas, familiares, profissionais, políticas, que gestaram as opções por um roteiro preocupado com certa moralidade, com um discurso contra o preconceito, com uma preocupação em marcar um papel da escola na vida daqueles alunos que subiam as escadas. Dentrofora porque, embora excluído, o menino catador de lixo ocupa a sala de aula com sua imagem desafiadora. Todo esse processo e as discussões que ele possibilitou vêm mostrando as múltiplas redes educativas que docentes e discentes formam e nas quais se formam e as variadas articulações que produzem. Essa ideia nos vem possibilitando entender, assim, que, para além de determinações políticas aparentemente acabadas, as escolas e seus praticantes criam possibilidades de ações pedagógicas para outras compreensões do mundo e do que devem aprenderensinar os que estão entre seus muros.
Nilda Alves e Nivea Andrade
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