Página  >  Opinião  >  Esteios

Esteios

A democracia que abril nos trouxe permitiu que nascessem as primeiras organizações sindicais docentes, mas, em poucos anos, as amarras da subserviência ao poder, da prepotência e dos métodos antidemocráticos começaram a asfixiar a participação e a voz dos professores na zona norte do país.
A apresentação de uma alternativa credível, autêntica e empenhada, de facto, na defesa dos professores foi o caminho escolhido desde cedo. Desejaram-se atos eleitorais corretos e democráticos, na expectativa de que a escolha dos professores pudesse ser livre. Mas tudo foi utilizado para boicotar a democracia e, por duas vezes, a verdade foi impedida de vencer nas eleições.
O projeto ambicioso da Lista B não podia deixar-se atrofiar, nem barrar por forças hostis à vontade dos professores e educadores do norte. A grande decisão tinha de ser tomada. E foi. Nos dias 17 e 18 de novembro de 1982, a Assembleia Constituinte votou e decidiu de forma inequívoca: os professores do norte queriam um sindicato que os representasse, de facto.
Em 2012, vamos celebrar os 30 anos desse enorme passo dado em defesa da profissão docente e de uma escola de qualidade – a criação do Sindicato dos Professores do Norte (SPN). Quando já se fez tanto caminho e se sabe que há muito mais para andar, o importante é focar nos grandes objetivos futuros, estribar a ação num conhecimento firme do presente e, sem dúvida, sempre, acolher o legado de quem nos antecedeu.
Celebrar os 30 anos do SPN envolve a enorme alegria de um percurso feito com dedicação quase ilimitada, com solidariedade e espírito combativo, muitas vezes com enorme sacrifício pessoal, em muitas e muitas etapas vencidas com sucesso ou, pelo menos, com salvaguarda da dignidade profissional dos docentes. Foi uma construção gigantesca, que só a certeza da razão permitiu que se fosse edificando firmemente, com uma estreita ligação aos educadores e professores, escola a escola, por todo o norte.
Um olhar para 30 anos atrás fixa-se, obrigatoriamente, em alguém que desempenhou um papel marcante naquela fase de atividade intensíssima, de uma equipa heterogénea, na construção de uma estrutura a partir do zero: António José Costa Carvalho [29.06.1941-09.12.2008]. Ele foi um esteio insubstituível nessa construção. Porque era mais experiente do que a maioria, porque começou muito cedo a luta pela liberdade de associação sindical dos professores, porque tinha uma energia e uma capacidade de trabalho inesgotáveis, porque era conhecedor e culto como poucos, porque transmitia como ninguém o entusiasmo de estarmos num combate necessário e justo. Era amigo e companheiro como ninguém, não punha limites à sua dedicação. Será sempre lembrado, a cada degrau transposto.
A certa altura desta caminhada, algo de novo surgiu no panorama sindical docente do norte e, em geral, do país. Foi em 1992. Foi publicado o primeiro número do jornal A Página da Educação. Era a vontade de alargarmos a intervenção junto dos educadores e professores a temas como a cultura, as questões sociais, a investigação científica, para além da esfera estritamente sindical. Era uma brisa fresca no panorama das publicações sindicais e, a partir daí, a PÁGINA nunca mais parou e nunca mais deixou de progredir e alargar o universo dos seus leitores e o grupo de colaboradores.
Este projeto teve um primeiro ideólogo – José Paulo Serralheiro [04.09.1948-06.09.2009]. Ele foi um de nós, mas, pela sua dimensão intelectual, pela profundidade das suas reflexões e pela capacidade de antecipar e mobilizar para grandes passos em frente nesta caminhada, o Zé Paulo só pode ser reconhecido, sem dúvida, como um dos esteios do nosso projeto coletivo. Quando a PÁGINA celebra 20 anos de existência, a sua presença afirma-se em cada pormenor do trabalho que nos deixou.
O SPN foi fundado em 1982 e a Federação Nacional dos Professores (Fenprof) nasceu em 1983. É impossível recordar, de um relance, todas as fases por que passou a atividade sindical, todos os objetivos que mobilizaram os professores do norte, todas as dificuldades e todas as vitórias... Tão impossível como fazer com rapidez a lista dos ministros e ministras que tivemos na educação em democracia ou enumerar as reformas, ajustamentos ou violentos golpes desferidos nas carreiras docentes e na qualidade da Escola Pública ao longo das últimas décadas. Só um trabalho continuado, independente e norteado por princípios sólidos e democráticos podia ter permitido que o SPN crescesse e se tornasse o representante cada vez mais reconhecido dos educadores e professores do norte.
Esta estabilidade, em contexto quase permanentemente convulsivo, fica a dever-se a algumas e alguns grandes dirigentes, espíritos fortes, mas dialogantes, determinados, mas com mentes abertas e bons intérpretes do panorama político-sindical em cada momento. Um de entre eles merece destaque especial na família SPN: Adriano Teixeira de Sousa [01.05.1955-18.07.2009]. Grande obreiro da unidade, grande fazedor de consensos, fraterno, cordato, companheiro de todas as horas, resistente como ninguém, fica também na história do movimento sindical docente em Portugal. O Adriano é um esteio da nossa construção, do nosso combate, para sempre. Muito aprendemos com ele, pelo muito que soube ouvir, debater, construir e dar.
O futuro espera-nos e os esteios em que nos apoiamos só podem dar-nos confiança.

Ana Brito Jorge


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo