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A educação superior, o conhecimento e as competências

Os ‘resultados da aprendizagem’ e as ‘competências’ são apontados como elementos essenciais nas reformas do Ensino Superior. Embora seja ainda cedo para identificar as suas reais consequências, urge o debate sobre os conceitos e aquilo que eles parecem colocar em jogo.

As reformas do Ensino Superior na Europa e em Portugal têm sido estudadas sobretudo na perspectiva da governação dos sistemas e das instituições. Ou porque ainda não decorreu tempo suficiente para uma avaliação mais segura, ou pela urgência em considerar os factores político-institucionais, o debate e a análise dos impactos educativos dessas reformas têm sido algo secundarizados. Porém, é difícil não pensar que a pressão política dos governos nacionais e das instâncias da União Europeia (UE), nomeadamente no âmbito do desenvolvimento da Agenda de Lisboa, no sentido de incrementar a relevância social e económica do conhecimento produzido e da formação desenvolvida no Ensino Superior não tem consequências sobre as suas concepções e projectos educativos.

Do elitismo à massificação

Os modelos humboldtiano, napoleónico e o de Oxbridge assumiam como estruturante o potencial formativo da imersão dos estudantes em contextos de produção do conhecimento. Esta concepção estava também ligada ao papel que as universidades desempenhavam no âmbito do Estado-nação, na formação dos seus quadros e na criação, consolidação e disseminação da cultura nacional. Contudo, o elitismo, que até muito recentemente caracterizou o ensino universitário, fazia com que as universidades fossem vistas como se estivessem divorciadas da realidade social envolvente.
Por um lado, a massificação do Ensino Superior, e por outro, a ênfase que na actualidade, nacional e globalmente, é colocada na relevância social e económica do conhecimento e das formações têm consequências na natureza da educação aí promovida.

Do conhecimento às competências

Os órgãos da UE, através do seu crescente protagonismo no Processo de Bolonha, e as instâncias nacionais têm promovido discursos que reconfiguram o processo educativo em torno das noções de competência e de resultados da aprendizagem.
Em Portugal, o Quadro de Qualificações para o Ensino Superior define a estrutura e o perfil dos níveis de qualificação e traduz, para o Ensino Superior, o Quadro Europeu de Qualificações. O objectivo é que, dentro de poucos anos, estudantes, pais e empregadores falem em termos de resultados da aprendizagem e de competências, facilitando a mobilidade e o reconhecimento das formações académicas entre os diversos sistemas e o seu mais claro reconhecimento no mundo do trabalho.
A definição de competência preconizada pelo Parlamento Europeu como a capacidade de autonomamente “usar o conhecimento, habilidades pessoais, sociais e metodológicas em situações de trabalho ou estudo” denota uma mudança da ênfase no conhecimento como organizador do ensinar e do aprender para a ênfase na capacidade de o mobilizar para a acção individual, social e em contexto profissional.
Educadores e pedagogos já haviam sublinhado a importância de colocar o estudante e o desenvolvimento das suas competências no centro do processo de formação. Contudo, a perspectiva que aparentemente se está a difundir, deslocando o papel formativo do conhecimento, centrado nos conteúdos curriculares, para as competências que o estudante deve exibir como resultado da sua aprendizagem, pode trazer consigo alguns riscos para a educação superior.

É necessário debater os conceitos

Os ‘resultados da aprendizagem’ e as ‘competências’ são apontados como elementos essenciais nas reformas do Ensino Superior. Embora seja ainda cedo para identificar as suas reais consequências, urge o debate sobre os conceitos e aquilo que eles parecem colocar em jogo. A ideia fundadora do Ensino Superior moderno assentava ela própria no potencial transformador do conhecimento no pro cesso educativo. Aparentemente, a formação centrada no estudante e nas suas competências, promovida pelo Processo de Bolonha, terá o potencial previsto por educadores e pedagogos como Dewey, Freire, Illich, entre outros, para lidar com as necessidades das sociedades pós-industriais e com a emergência de novas formas de cidadania. E, de facto, este modelo promete bastante: o empoderamento do estudante, o potencial de trabalhar em equipa, o aprender fazendo e o desenvolvimento da sua autonomia e responsabilidade para expressar a sua diferença. O risco que é fundamental debater é o de que, ao secundarizar o potencial formativo do conhecimento em favor do conjunto de competências identificáveis como resultados da aprendizagem, estas passem pelos indivíduos – como o dinheiro, diria Bernstein – sem os transformar.
O actual mercado de trabalho parece requerer competências que sejam facilmente reconhecíveis pelos empregados e empregadores, sobretudo a competência de continuamente adquirir novas competências. O risco da percepção destas necessidades ser transportada, de forma mecânica, para a educação superior é o de se reduzir a formação do ‘eu crítico’ ao ‘eu empregável’. Daí, também, a urgência de relançar a discussão sobre o que é que é superior na educação superior.

António M. Magalhães


  
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