Não se deve excluir qualquer epistemologia de investigação. Pelo contrário, o carácter complexo e casuístico que existe na Educação é a melhor abordagem para processos e pessoas, também elas complexas e singulares.
A forma como se constrói o conhecimento em Educação e em Educação Especial continua e certamente continuará a ser um assunto importante e em aberto. O Conselho Nacional de Investigação dos Estados Unidos (2002) publicou um documento em que se apontavam seis princípios que deveriam guiar os investigadores e estar presentes em todo o trabalho científico: 1. Colocar questões relevantes que possam ser investigadas na prática 2. Ligar a investigação com a teoria 3. Usar métodos que permitam uma investigação directa dos problemas 4. Proporcionar uma clara cadeia de raciocínios 5. Replicar e generalizar os resultados 6. Abrir a investigação de forma a estimular a validação e opinião dos profissionais. A enunciação destes princípios desencadeou alguma polémica, em particular por não avançar propostas que pudessem romper os limites do positivismo lógico, deixando de fora, por exemplo, as metodologias narrativas, as provenientes da teoria crítica, da ética, da estética, entre outras [James L. Paul, Perspectives Shaping and Challenging Research Approaches in Special Education]. Esta discussão mostra que não está, de forma alguma, esgotado o tema das “epistemologias alternativas” sobre investigação educacional. A produção de conhecimento em Educação Especial carece de alguma reflexão epistemológica, especialmente por dois motivos: por um lado, porque a premência e a “utilidade” da intervenção tende a minguar o seu estatuto científico; por outro, porque o facto de se mover num campo conceptual em larga parte incerto, tem como consequência que frequentemente se adoptem lin guagens “emprestadas” de outras ciências, nomeadamente da Psicologia e da Sociologia. O tema é, obviamente, demasiado lato para se tratar num artigo deste âmbito, mas gostaria de evocar três referências que nos poderão certamente ajudar a situar de forma introdutória neste debate. A primeira referência vem de Boaventura Sousa Santos, quando refere a sociologia das ausências e a sociologia das emergências [«Um conhecimento prudente para uma vida decente», 2003]. Logo aqui, estes referenciais levam-nos a reflectir sobre o conhecimento que se produz sobre as pessoas com deficiência – a premência de uma desocultação das ausências, das invisibilidades, dos silêncios a que estas pessoas foram votadas pela investigação. Muito se investiga sobre as pessoas que as educam, que as cuidam ou que opinam sobre elas, mas existe um grande défice no conhecimento do que estas pessoas pensam, querem e sonham. Entretanto, a sociologia das emergências chama-nos a atenção para a perspectiva de pensar sem barreiras sobre as possibilidades e as potencialidades do que as pessoas com deficiência podem fazer. O campo em que se perspectiva o progresso, a evolução, a responsabilidade, a participação e a autonomia das pessoas com deficiência encontra-se ainda encolhido, minguado, por desconhecimento. O facto de certos procedimentos “ainda não serem possíveis” tem limitado a compreensão do que efectivamente “é possível, ainda que não agora”. A segunda referência é a uma frase de António Nóvoa, publicada no jornal Público (05.10.2010): “Quem disser ‘evidentemente’ esquece-se que, em Educação, o que é evidente... mente”. A procura de “evidências” tem tentado assumir sozinha o monopólio da investigação séria em Educação e em Educação Especial. Toda a investigação (por vezes chamada “soft”) que não evidencia um conhecimento seguro, mas tão-só aproximativo ou situado, é desvalorizada. Algumas vezes com razão, dado que era imperioso que se realizassem meta-análises, incluindo estudos em conjuntos (clusters) mais alargados, de forma a robustecer o seu carácter explicativo; outras vezes sem razão nenhuma, por se procurarem aplicar linearmente modelos importados de outras ciências. O que parece evidente em Educação não é mais do que um ponto de partida para conduzir, pela continuação da pesquisa, a outras evidências, que, mais à frente, também elas ansiarão por novas evidências. A terceira referência é de Thomas Popkiewitz, quando afirma que “ser pragmático é encontrar respostas complexas para problemas complexos” [«Cosmopolitanism and the age of school reform»]. Fazer economia, poupar ideias para reduzir a complexidade, não é certamente um bom caminho para encontrar conhecimento útil e justo sobre as pessoas com deficiência. As questões relacionadas com a Educação Especial são naturalmente – diria inerentemente – complexas. Reduzir estas questões a problemas simples que se resolvem com medidas “simples e eficazes” leva a decisões que não respondem às necessidades. Sem dúvida, é difícil encontrar respostas complexas, respostas que não sejam one size fits it all (um tamanho serve a todos), mas as respostas em Educação Especial devem contemplar, sobretudo, as excepções, as singularidades; enfim, estudar as pessoas que são diferentes e complexas. Construir um conhecimento prudente em Educação/Educação Especial é, pois, pensar num conhecimento que acorda as ausências, que acalenta as emergências, que cria um conhecimento que foge à norma e à evidência e que é, obviamente, complexo. Significa isto que não se deve excluir qualquer epistemologia de investigação – pelo contrário, o carácter complexo e casuístico que existe na Educação/Educação Especial é a melhor abordagem para processos e pessoas, também elas, complexas e singulares.
David Rodrigues
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