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Ensino e política de significações

Museus, teatros, jornais, laboratórios, fábricas, centros de dia, ou simplesmente o jardim ou a caixa registadora do bar da escola, e enfim, a rua em que moramos, são também potenciais espaços e  tempos de aprendizagem.

Foi com alguma estupefacção que constatei que todos os alunos de 11º ano de Área de Expressões referiram nos seus relatórios sobre Cinema Paraíso – maravilha da Sétima Arte que Giuseppe Tornatore realizou em 1988 – que foi por acaso que a adolescente apaixonada deixou cair um lenço ao chão, tendo assim o protagonista uma oportunidade única de com ela encetar conversação. Trata-se de uma cena “clássica” dos romances baseada no código dos amantes, um momento de avanço da narrativa frequentemente transferido para a tela, que os meus alunos, actualmente com 15, 16 ou mais anos, desconhecem. Este impedimento de descodificação remeteu-me para três considerações:
– a evolução dos códigos amorosos e o desconhecimento por parte dos nossos jovens das grandes obras da literatura mundial, nomeadamente dos
séculos XVIII e XIX;
– a preocupação que devemos ter, enquanto docentes, com a eficácia do acto comunicativo, verificando-a em situações variadas que permitam um feed-back;
– a questão da diferente significação que pode ser atribuída a um mesmo acto, conceito, ou valor.
Foi esta última – do significado que damos às coisas – que me impeliu para uma reflexão sobre alguns factos que se têm passado nos últimos anos no nosso quotidiano escolar.
Quando a Área-Escola se generalizou, em 1993, tinha como objectivo a integração de saberes, a interdisciplinaridade. A tutela estava entregue a Couto dos Santos (quem se lembra?), mas vinha ainda impregnada de um frenesi renascido com Roberto Carneiro, que pretendia novas “formas de fazer as coisas” nas escolas. Essa dinâmica multiplicou-se em governos PS/Guterres, menos distantes, com governantes como Marçal Grilo e Ana Benavente, delineando-se então os alicerces que edificaram as Áreas Curriculares Não Disciplinares (ACND).
Área de Projecto, Estudo Acompanhado e Formação Cívica mais não pretendiam do que institucionalizar o dever de as escolas proporcionarem aos aprendentes, respectivamente: metodologias como a de projecto, centradas no interesse do aluno, proporcionadoras da investigação e da resolução de problemas, da criatividade e da autonomia; formas de estudo adequadas a diferentes aprendizagens (pesquisa, recolha e selecção de informação eficientes); conscientização dos deveres e dos direitos cívicos, democráticos, na vida em sociedade.
Havia, assim, uma significação construída à volta de todos estes valores, que, embora com erros de percurso, correspondeu a um reconhecimento da capacidade de inovação dos professores e das escolas enquanto espaços intelectuais criativos – parceiros à altura de diálogos construtivos em conjunto com a tutela. Havia uma significação que tinha como pressuposto um conhecimento da vida das escolas e das suas necessidades.
Não sei se Maria de Lurdes Rodrigues chegou ao fim do seu mandato a saber que são poucas as diferenças de formação académica e pedagógica entre um professor do Ensino Secundário e um do 2º Ciclo do Ensino Básico. A sua formação “hierarquizante” deixou várias vezes transparecer a ideia de que uns estavam “acima” dos outros. Trata-se, afinal, de uma forma de estar na vida. O neoliberalismo em que se têm inserido os governos PS/Sócrates cria significações completamente desajustadas, em todo o Mundo. A Educação deixa de ser um bem essencial às sociedades e confunde-se com prerrogativas dos povos que “nem sempre podem ser para todos” – afirmam alguns.
Agora, já com Isabel Alçada, não será no mínimo estranho que a presidência das comissões administrativas provisórias dos novos “mega-agrupamentos” esteja a ser entregue sobretudo a directores das escolas do Ensino Secundário, quando, afinal, os directores dos antigos agrupamentos é que já conheceram a experiência (e as dificuldades...) de juntar jardins-de-infância, escolas básicas do 1º Ciclo e dos 2º/3º ciclos? Em que se fundamentam estas “seriações”? Também as ACND chegam ao fim pelas mãos desta ministra. Diz-se que por motivos económicos, tentando a redução do contingente de professores. Todos temos defendido o carácter transitório destas áreas, aceitando que a metodologia de projecto ou a preocupação em acompanhar o estudo autónomo dos alunos devem estar inseridos no processo de aprendizagem com cada professor ou com cada grupo de professores, disciplinarmente e multi, inter ou transdisciplinarmente.
Escreve-se hoje, em vários documentos oficiais, sobre a necessidade de investir em estratégias de sala de aula. De acordo. Mas preferiria que se falasse somente em “aula” – para que não se induza que a sala é o único espaço de aprendizagem possível, com a sua base eterna de funcionamento transmissivo e indelevelmente conservador. Museus, teatros, jornais, laboratórios, fábricas, centros de dia, ou simplesmente o jardim, ou a caixa registadora do bar da escola, e, enfim, a rua em que moramos, são também potenciais espaços e tempos de aprendizagem.
A questão é: que regulação vai a tutela construir para não acabar com a inovação no ensino regular em Portugal? Registe-se, porém, que, se não fica bem ao ministério esquecer estes aspectos tão importantes, muito menos aceitável é verificar que alguns grupos disciplinares se esgrimem já na tentativa de ocupação dessas horas, absolutamente necessárias à construção da autonomia de cada aluno.
Ministério e docentes vão ter que estar bem atentos aos tempos de crise que se avizinham. Na Escola, há que distribuir o mal [ou o bem] pelas aldeias. E saber que significações se atribuem. Assim fizessem os governos com a distribuição das riquezas de um país pelos seus cidadãos.

José Rafael Tormenta


  
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