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Imaginar Timor Leste

Desejo fazer duas perguntas bem concretas, as quais, todavia, envolvem uma certa problemática teórica comum. A primeira pergunta é: Por que razão falhou a tentativa indonésia para absorver Timor Leste? Era o falhanço inevitável ou algo aconteceu entre 1975 e 1990 que podia ter sido evitado? Qual a natureza dos erros cometidos, se é que de facto foram cometidos erros? A segunda pergunta é de algum modo a inversa: Como explicar o tão rápido desenvolvimento do nacionalismo timorense? Para mim esta segunda questão é muito séria. Os meus escritos teóricos sobre o nacionalismo têm-se focado na importância da difusão da imprensa e na sua relação com o capitalismo, mas em Timor Leste sempre houve muito pouco capitalismo e a iliteracia era geral. Como se não bastasse, Timor Leste é etnicamente muito complicado, com diversos grupos de línguas. O que foi então que tornou possível "pensar Timor Leste"?
A primeira questão surgiu-me quando estive em Portugal em 1992. Entre os meus colegas portugueses corria então uma discussão sobre o depoimento do General Costa Gomes. Ele foi uma das figuras decisivas dos governos portugueses de 1974-76, à data do colapso do império português, e uma das mais responsáveis pelas decisões tomadas sobre Timor Leste. No seu depoimento, dizia que ele e os seus amigos pensavam que Timor Leste seria como Goa - que seria pacífica e facilmente absorvido pela grande Indonésia, tal como Goa foi absorvida pela grande Índia. Defendia ele que se Jacarta não tivesse sido tão brutal, se o exército indonésio não tivesse sido tão opressivo e explorador, não haveria hoje uma problema de Timor Leste. Assim sendo, a tragédia de Timor Leste não era de sua responsabilidade nem do governo português. Timor Leste podia facilmente ter-se tornado uma parte feliz, vibrante e participativa da Indonésia. Contudo, o depoimento de Costa Gomes, no fundo, não nos ajuda muito, já que não explica a brutalidade e o carácter explorador da ocupação indonésia.
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O governo indonésio tem sido incapaz de incorporar Timor Leste imaginativamente, no sentido mais lato e popular. Ao longo dos anos tem-me surpreendido muitíssimo a forma extraordinária como Timor foi "fechado", não apenas ao mundo exterior, mas também ao resto da Indonésia. Até há bem pouco tempo, o indonésio comum não podia visitar esta parte oficial do seu próprio país sem uma autorização especial. A cobertura jornalística de Timor Leste era excepcionalmente débil, e ainda mais falseada do que a cobertura mediática das outras partes da Indonésia. Foi assim possível a muitos indonésios não pensar muito em Timor Leste, e nem sequer saber dele. Em consequência, Timor Leste nunca conseguiu fazer parte do sentimento nacional popular.
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Numa recente entrevista à Editor, uma grande revista de Jacarta, o General Sjafei, comandante militar de Timor Leste, disse algo de muito revelador. Ao descrever as medidas tomadas para desviar o Lusitânia, o navio que tentou ir até Dili, via Darwin, com um grupo de estudantes e repórteres a bordo, ele referiu que o barco em si não era perigoso, mas foi dizendo que se ele conseguisse ancorar no porto de Dili, "eu poderia deparar-me com 120.000 habitantes da cidade de Dili" e "dadas as circunstâncias, eu não poderia garantir que não houvesse uma explosão de massas". Esta linguagem é completamente nova. Nunca o exército falou anteriormente em "explosões de massas" em Timor Leste ou de que se confrontava como "120.000 pessoas em Dili". Ao longo dos anos o exército proclamou que apenas umas dúzias de irredutíveis opositores existiam no interior montanhoso. O depoimento de Sjafei é claramente o de uma potência colonial de súbito consciente da sua derrota iminente. É idêntico ao reconhecimento holandês em 1946 de que a Indonésia tinha mudado completamente desde 1940, altura em que o seu poder parecia inabalável.

Benedict Anderson
professor de política indonésia
na Cornell University
texto de 1993 traduzido por Osvaldo Manuel Silvestre


  
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Edição:

N.º 84
Ano 8, Outubro 1999

Autoria:

Benedict Anderson
Professor de Política Indonésia na Cornell University
Benedict Anderson
Professor de Política Indonésia na Cornell University

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