'en coleurs et en chantant' Num longo fim de semana de Novembro, na ilha de Noirmoutier Jaques Demy e Michel Legrand debruçam-se sobre um piano desafinado. Há seis meses que procuram juntos a combinação ideal para por em música 'LES PARAPLUIES DE CHERBOURG OU LíINFIDILITÉ' . Um argumento que Jacques Demy escreveu sonhando uma ópera popular, realista e romântica. Demy risca e reescreve diálogos simples em folhas cobertas a tinta colorida enquanto o seu cúmplice musical tenta encontrar as notas que farão cantar as palavras ao seu ritmo natural. Neste 11 de Novembro de 1961, as experimentações laboriosas, onde já desponta leve desencorajamento, cedem de repente o lugar à exaltação de dois alquimistas que acabam de descobrir a fórmula. Michel Legrand entoa a frase cantada de Madame Emery na ourivesaria: ' Nous sommes dans une situation difficile...' Frase retrospectivamente deliciosa, parecendo dirigir aos dois artesãos um piscar de olhos em contra-pé esse instante recompensou uma longa busca e concretizou esse sonho louco de um filme cantado. Nesse dia foi a descoberta da pedra filosofal. O estilo e o tom foram encontrados. Era como se a ópera tivesse seguido a evolução do jazz: temas melodiosos encaixados em ritmos sincopados, canto prosaico, palavras audíveis. Animados por este primeiro êxito, começam a compôr a quatro mãos. Demy corrigindo o diálogo sobre as melodias que Legrand improvisa. Notas e sílabas elaboram-se em conjunto, fundindo-se na procura da evidência e da harmonia. No fim do primeiro ajustamento, Legrand representa - cantando gravemente- a cena de Monsieur Dubourg, o ourives, e depois fazendo os agudos de súplica desesperada de Madame Emery. De pé, junto ao piano, Demy comenta, aplaude, rectifica. Imagina já a encenação que seguirá as curvas fluidas da música, como esta se deve colar sobre os movimentos físicos e espirituais das personagens. Então, às vezes, pede a Legrand para dar um jeito que permita a movimentação de um actor ou a inscrição na música no espaço e no tempo de um 'travelling'. Divertem-se a pensar num público comovido às lágrimas, com as inflexões do melodrama, isto é, da história e música delirantes que eles estão prestes a amalgamar como nunca tinha sido feito no Cinema. este sonho de sucesso estimulou-os durante os oito meses que ainda passaram juntos a trabalhar a partitura e o texto. Sonho que foi concretizado, pois o público aplaudiu esta fórmula inédita de um filme que se conservou insular e bizarro. Foi literalmente um conto de fadas: Era uma vez um filme ' en couleurs et en chanté' ( segundo as palavras do próprio Demy) e um público aberto a novas aventuras. Enquanto Demy concebia o seu filme, escreveu a uma jovem actriz convidando-a para um encontro. Tinha reparado nela num filme (' Lí Homme à femmes') onde representava o papel de ' Madame de ...'. Catherine Deneuve ainda era morena, quase desconhecida e incerta da sua vocação. Com 'Les parapluies...', Demy revelou não só ao público mas também a ela própria o seu desejo de ser actriz. Fez de Geneviève a loura numa Cherbourg colorida e lírica. Paulo Teixeira de Sousa
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