'Satélites, fibras ópticas, numerização, criam uma situação que dá ao consumidor a última escolha dos programas que deseja ver. É pois razoável seguir uma política de desregulamentação'. Jack Valenti Presidente da 'Motion Pictures Association of America' (MPAA)
Pois é, até os 'Direitos do Consumidor' servem de pretexto ao discurso neo-liberal. O mercado planetário, apresentado como o factor principal de regulação das sociedades, opõe um verdadeiro Direito do Homem - a liberdade de expressão artística - que recua, um outro direito - a liberdade de expressão comercial - que avança. É aquilo a que Heine Muller chamou 'guerra sem batalha' que se trava no campo do audiovisual e do cinema. Tudo começou em 1993 na fase final do GATT, os criadores (não apenas os Europeus) conseguiram impôr uma posição nova e construtiva: a 'excepção cultural', recusando o mercado, 'o novo deus todo poderoso sem consciência nem misericórdia' (Octávio Paz). Infelizmente a União Europeia limitou as suas ambições para o audiovisual a um objectivo: 'um tratamento excepcional e separado'. Então, as discussões levaram à integração do audiovisual nos Serviços - e consequentemente às regras do GATT, rebaptizado de Organização Mundial do Comércio (OMC). Conscientes desta primeira vitória estratégica, Washington e Hollywood tentam impôr um acordo sob a base do 'US Globe Audivisual Strategy' cujos pontos principais são: - Impedir o reforço das 'medidas restritivas' - as quotas de difusão de obras europeias e nacionais - e evitar que estas medidas se estendam aos novos serviços de comunicação. - Melhorar as condições de investimento para as empresas americanas, liberalizando as regulamentações existentes. - Evitar 'discussões inúteis' sobre questões culturais, procurando zonas de interesse comum. - Ligar as questões audiovisuais e o desenvolvimento de novos serviços de comunicação e telecomunicações no sentido da sua desregulamentação. - Assegurar que as restrições actuais ligadas às questões culturais não constituam um precedente para as negociações que se vão abrir noutros fóruns internacionais. - Tentar discretamente a adesão às posições norte-americanas dos operadores europeus afectados pelas quotas e regulamentações: televisões privadas, publicitários, operadores de telecomunicações (recordemos a posição dos grupos nacionais de distribuição de filmes - Lusomundo e Castello Lopes - sobre o projecto de lei do Cinema). Esta estratégia tem vindo a dar frutos. O bloqueio do melhoramento dos sistemas de protecção europeus, concretizados na directiva comunitária Televisão sem Fronteiras, de 1989. Em Fevereiro de 1996, o Parlamento Europeu aprovou um texto forte que reforçava a obrigação de quotas, alargava-as aos novos serviços, dava uma nova definição de obra e proibia a deslocação de difusores. Mas em Outubro de 1996, o mesmo Parlamento, foi incapaz de dar a volta à nova 'posição comum' do Conselho, que cedia completamente às posições americanas. Neste momento não há progresso nem resposta aos novos desafios e a regulamentação foi reduzida ao mínimo. Entretanto, a Polónia, a República Checa e a Hungria, candidatas à U.E., negociavam a sua adesão transpondo para o seu direito interno a Directiva Televisão sem Fronteiras. Washington interveio, usando como chantagem o seu direito de veto para as suas entradas na OCDE. A Polónia foi o único que se recusou a ceder. A quota de filmes americanos no mercado dos três países é superior a 90%. A segunda frente de batalha da ofensiva norte-americana é o investimento. Neste momento, a Time Warner - Turner, a Disney - ABC e a Westinghouse - CBS, aumentam o seu investimento na Europa, construindo multiplexes, intervindo nas televisões por cabo e comprando estúdios, ao mesmo tempo que criam os seus próprios canais de TV temáticos ou generalistas. Conclusão: os monopólios nacionais do audiovisual estão a ser substituídos por um oligopólio mundial composto por meia dúzia de grupos americanos. Segundo o 'Le Monde Diplomatique' (Fevereiro de 97) o saldo negativo da Europa em relação aos Estados Unidos cresceu de 2,1 milhões de dólares em 1988 para 6,3 milhões em 1995. Por fim, a ofensiva americana desenvolve-se ainda nos organismos internacionais, OCDE, AMI (Acordo Multilateral de Investimentos). O objectivo é obter um tratamento nacional europeu para os seus investimentos na Europa, e assim ter acesso aos sistemas de ajuda comunitária (programa Média) e nacionais. Resumidamente, os fundos de apoio ao cinema dos governos europeus irão parar aos bolsos das produtoras americanas. Face a este autêntico bulldozer, o Velho Continente tem obrigação de reagir. Criando uma verdadeira indústria de produção, criação e distribuição de imagens. Neste momento, as indústrias audiovisuais valem menos de 0,3% dos PIBs dos países da U.E.. Como dizia Jack Ralite no 'Le Monde Diplomatique' de Fev.97: '..., a ambição de civilização que pode trazer a Europa continua a ser a invenção e a construção de um novo espaço público de expressão, criação, cidadania e trabalho. Um espaço onde se opera sem discriminação o múltiplo como riqueza da humanidade, onde se articulam de maneira nova o local, o nacional e o internacional, onde se exprime uma responsabilidade pública social em matéria de cultura. Até aqui os operadores dominantes têm sido a atracção pelo dinheiro e pelo poder. As sociedades têm necessidade de outros combustíveis'. Haja gente para isso!!!!!!
Paulo Teixeira de Sousa
PS. Parabéns aos italianos. 53 anos após a queda de Mussolini caiu a censura ao cinema.
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