'Film is like a battleground. Love, hate, action, violence, death. Is one word - emotion.' Samuel Fuller in 'Pierrot le fou' de Jean Luc Godard Duas coisas vieram-me à memória quando soube da morte de Samuel Fuller no final do ano passado: uma foi a citação de abertura outra foi a sua habitual pose com o charuto entre os dentes. Como um soldado com muitas condecorações da II Guerra Mundial, Fuller conhecia tudo sobre campos de batalha, guerra e violência que se tornaram os temas chave dos seus filmes, - como o demonstram 'Fixed Bayonets!' (1951), 'Hell and High Water' (1954), 'Merrilís Marauders' (1962) e 'The Big Red One' (1980), alguns dos mais conhecidos. Mas, antes de tudo, é necessário lembrar que Samuel Fuller foi um inventor de formas. Um mestre da síncope, um explorador da estridência, um poeta convulsivo que soube levar a intensidade do cinema até a pontos de saturação raramente conhecidos. É na passagem dos anos 50 para os anos 60 que o estilo de Fuller encontra o seu compromisso furioso e acaba com todos os esquemas, levando cada vez mais à mudança um Sistema que se atola, caminhando inexoravelmente para as margens da alucinação. Objectos forçosamente paradoxais, filmes como 'Forty Guns', 'The Crimson Kimono', 'Underworld USA' ou 'Naked Kiss', fazem a quadratura do círculo. Eles vêm em linha directa do cinema mudo - na sua crítica a 'Forty Guns' (Cahiers du Cinéma nº 76), Godard comparava Fuller a Murnau! - estão marcados por uma febril invenção plástica próxima dos expressionistas. Mas ao mesmo tempo, eles vão imparavelmente em frente, em três direcções simultâneas: a modernidade e a violência dos falsos - raccords, um maneirismo e a abstracção lírica dos géneros, a televisão e o estilo jornalístico-documental. Fuller não pertenceu, claro, a nenhuma escola, nunca esteve enfeudado a nenhum movimento. Forjou à sua maneira de franco-atirador um iconoclasta para quem destruição e construção não são senão uma única e mesma coisa. Nos seus filmes, o movimento é excessivo, o ritmo sacudido e os contrários atraem-se e repelem-se sem cessar. O amor é uma guerra fácil de começar, difícil de perdurar, diz uma personagem de 'Forty Guns', os enterros sucedem-se aos casamentos numa volta de plano (vertiginoso encadeamento em 'Forty Guns'), os golpes de destino da Quinta de Beethoven tornam-se rajadas de metralhadora em 'Verboten!', as prostitutas tratam de crianças deficientes e citam Goethe e Byron (Constance Towers em 'Naked Kiss'), os polícias tocam piano e são críticos de arte ('The Crimson Kimono'), os Negros são membros da Ku-Klux-Klan ('Shock Corridor')... Fuller gostava de brincar com a água e o fogo, procurava a crise, trazia a contradição e viveu como as suas personagens com uma personalidade dividida. Nos 'Cahiers du Cinéma' de Dezembro de 97 Martin Scorsese num artigo sob o título 'Samuel Fuller, ou o movimento como emoção' dizia: 'Um crítico de rock disse um dia: não apreciar os Stones, é não saber o que é o rock. Sem querer parecer presunçoso, penso que o mesmo tipo de raciocínio se pode aplicar, substituindo o nome dos Stones por Fuller, e o termo rock por cinema. Digamos simplesmente que apreciar um filme de Fuller é ser sensível ao cinema, na sua própria essência: o movimento como emoção. Gostava de Fuller como criador e como amigo. Far-me-à seguramente falta, mas consola-me a ideia de que os seus filmes palpitantes e aterrorizadores continuam vivos'. Paulo Teixeira de Sousa
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