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Da imaterialidade dos bits

A unidade de informação “bit”, as unidades de espaço e tempo, ou de massa e peso, e de um modo geral as outras, têm todas o mesmo tipo/ nível de “imaterialidade”, que lhes é conferido com base na “idealidade” dos conceitos respetivos que pairam pelo nosso pensamento. Por isso, só através de uma imaginosa operação nos temos habituado, nesta era digital, a conceder que os “bits” são imateriais, enquanto os “gramas”, porque pesam, como percebidos aqui na Terra, são ditos materiais – se forem muitos os “gramas” do peso de um objeto, poderemos até não conseguir levantá-los nem deslocá-los. Mais, os “gramas” são como que objetos, aparecem coisificados, enquanto os “bits” aparecem um pouco como entes sem peso pertencentes ao domínio das subjetividades.
Ficou famosa a metáfora de Nicholas Negroponte veiculada no seu mediatíssimo best seller “Ser Digital” (Editorial Caminho, 1995). Argumentava o conhecido professor do Massachusetts Institute of Technology que os “bits” não tinham peso, ao contrário do que acontece com os átomos da água mineral (de uma marca famosa) que ele bebia nas reuniões em que participava. Claro que se referia ao facto de na transmissão de sinais (nas telecomunicações) apenas ser necessário fazer variar entre duas posições técnicas o estado do meio utilizado (o ar, pela transmissão rádio, as fibras óticas, etc.), enquanto o transporte de garrafas de água (composta de átomos) implica o transporte de coisas com peso!
Daqui, da imaterialidade na transmissão, até à “imaterialidade” dos “bits” armazenados em memórias de computadores (e nos nossos sistemas nervosos, em particular nos nossos cérebros, ou nos de outras seres vivos), foi um leviano passo dado com esta falácia. E a “imaterialidade” e “imaterialização” rapidamente se espraiaram por aí, inclusive em documentos oficiais, em discussões sobre até onde tal “imaterialização” deveria ir para que os documentos continuassem a ter força legal, têm sido as assinaturas eletrónicas, eu sei lá que mais!
Enfim, um idealista esquecimento generalizado de que, afinal, os “bits”, mesmo quando andam a passear – quando são transmitidos – residem nos átomos das memórias dos computadores, e enquanto estados “elétricos” desses átomos – normalmente a técnica implementa situações de dois estados distintos (os famosos “0” ou “1”).

Contudo, a esse “esquecimento” está a suceder o golpe boomerânguico assentado pelos crescentes, enormes, centros de dados (data centers) que borbulham um pouco por toda a parte. Imagine-se só o armazenamento de “bits” do imenso número de mensagens de e-mail. Ou, os derivados do crescimento exponencial das redes sociais, nomeadamente o Facebook e o Twitter; e o número de mensagens e ficheiros armazenados, os dados geográficos da Terra para efeitos de localização, etc., etc.
O que está a acontecer é que a materialidade dos dados, pelo contrário, esta a levar à criação de imensos e enormes data centers, constituídos por quantidades crescentes de servers. O que está a acontecer é o crescimento imenso do consumo energético por parte do setor das tecnologias da informação. Além disso, a eficiência energética destas instalações é, regra geral, bastante baixa, até pelos requisitos colocados pelos serviços fornecidos. Com efeito, as qualidades de serviços requeridas, a começar pela prontidão de acesso, pela fiabilidade das operações, entram com facilidade em contradição com as necessidades de eficiência energética relacionadas com os objetivos gerais de sustentabilidade.
Aí está toda a suposta imaterialidade da informação, dos dados, das terciárias tecnologias “limpíssimas” da informação a ser posta em causa por uma factual presença material... E tão impressionante (brutal?) como a das instalações das obsoletas fábricas do setor secundário!
Quem diria?
E afinal o absoluto ser “verde” da eletrónica como se compara com a utilização do papel para fabricação de livros, jornais, revistas... Tudo somado no ciclo de produção, por que “verduras” ficamos? E tudo isto quando grande parte dos consumidores começava a ter a consciência “verde” tranquilizada pela espiritual leveza das TIC.

Francisco Silva


  
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Edição:

Edição N.º 199, série II
Inverno 2012

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