Não dá para negar, no Brasil, a Copa é o principal assunto durante o campeonato. As conversas são os jogos, os jogadores, as chances de cada seleção. As crianças, então, a cada jogo, sempre uma nova emoção, com tristeza ou alegria, poucas são indiferentes. Tanto deslumbramento e curiosidade, não tem jeito, a Copa invade a sala de aula. As crianças, e não só elas, se empolgam com os livros ilustrados de figurinhas. Quantas têm? Quantas faltam? Vamos trocar? Eu completei a Argentina! Do Brasil, falta o Júlio César! Escudos, bandeiras, estádios, continentes, países... Arriscamos dizer que esse é um dos melhores livros didáticos, nesse período. Porque a África do Sul até alguns poucos anos tinha total segregação racial, que cicatrizes sociais essa segregação deixou? Quem é Nelson Mandela, de quem a televisão tanto falou na abertura do Mundial? Por que a República Slovenya não participou de tantos mundiais quanto o Brasil? E os hinos, as músicas, as culturas de cada país?... Cada pacotinho vem com cinco figurinhas e custa R$ 0,75 (75 centavos). No álbum são 640 figurinhas, quanto custa completar o álbum? Mas e as repetidas? Nossa! Isso é uma matemática viva, a partir do interesse dos alunos. Podemos questionar: é interessante colecionar? O que daria para fazer com o valor gasto no álbum? Mas, e as relações que proporciona, as novas amizades, as interações? E por que trocar é tão interessante? A matemática vira economia e se mistura com noções de sociabilidade, ou “cidadania”, segundo os Parâmetros Cur riculares Nacionais. Contas que não conseguimos fazer nas escolas, tá na ponta da língua nas praças de trocas e vendas de figurinhas avulsas: “Um escudo do Brasil vale 2 figurinhas”, “3 figurinhas, 45 centavos” e na escola não sabe tabuada nem números decimais! E os nomes dos jogadores? Sotirios Kyrgiakos, Dominic Adiyiah, Bruno Alves... Que forma melhor para discutir linguagem e o que há por trás dela? Esses três nomes, de uma lista imensa não foram escolhidos ao acaso. O primeiro é grego – por que os gregos escrevem assim Sotirios Kyrgiakos? O segundo é de Ghana, mas Dominic tem procedência francesa... E Bruno Alves é português, mas podia ser brasileiro... O que tem a ver linguagem com história, com a colonização e com a imposição da língua dos dominantes? A cada nome um novo significado, não nos deixando esquecer que, como humanos, somos localizados no mundo, somos geo-grafados, historicizados. E o álbum virtual da Fifa “é tão real, né mãe?”. Um jogo em que a cada dia se ganham três pacotes com cinco figurinhas, outras figurinhas têm que ser procuradas no próprio site. As repetidas são trocadas com outros jogadores, em comunidades de relação virtual. O fantástico realismo do álbum, em que até se rasga o pacotinho, encanta as crianças e impressiona os adultos. Novas tecnologias, novas formas de ser e estar no mundo, novas linguagens e outras formas de aprender, onde o erro não é motivo de punição, nem de menos conhecimento; apenas caminhos à procura do aprender. Como a escola se relaciona com essas novas linguagens? A interatividade proposta nas novas redes tem espaço nas relações escolares? A Copa do Mundo invade a sala de aula, mas o que a sala de aula faz com ela? Algumas pistas estão aqui, mas tantas outras coisas podem ser feitas e outras tantas inventadas, criadas, envolvendo as próprias crianças na re-criação de um currículo vivo. É uma grande oportunidade para irmos além do estabelecido. Por outro lado, a Copa pode ser simplesmente ignorada e tratada como questão de indisciplina: alunos que conversam durante a aula, que levam figurinhas para a escola, que ficam perguntando o resultado do jogo, ou que pedem para ir ao banheiro só para ver o jogo pela TV portátil! A repressão ainda é vista como contribuição para a aprendizagem; a dificuldade em aprender é, ainda, associada à falta de disciplina. A bola passa e a escola, muitas vezes, nem percebe o gol que pode fazer se sair de sua regra rígida e resolver, por algum tempo, arriscar ao talento.
José Guilherme Gonzaga
Doutorando (Universidade Federal Fluminense)
Miatã de Andrade Gonzaga
Estudante do Colégio Verbo Divino (Rio de Janeiro)
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