Crianças e jovens interagem na contemporaneidade em um mundo "teleguiado", em constante mutação e repleto de informações. Imbricado nessas características está o consumo, processo que recebeu, ao longo dos tempos, distintas características e configurações. Nos tempos modernos, a aquisição de produtos obedeceu a uma lógica compreensível: obter para consumir, para suprir necessidades, ou para conquistar algo longamente ambicionado. O ato de comprar roupas, brinquedos, automóveis, entre outras coisas - processo outrora restrito aos adultos - fez parte de uma lista de objetivos e metas previamente estabelecidos. Renová-los ou substituí-los foi algo que ocorreu em decorrência do desgaste dos objetos. Isso porque um dos principais atributos, inerente à qualidade desejável das coisas, foi a durabilidade. Hoje vivemos outros tempos, e o consumo assume nas sociedades atuais não só a função de suprir necessidades, mas também, entre outras, a de identificador social. Mochilas, jogos eletrônicos, telemóveis, roupas, e tantos outros artefatos intensa e efemeramente desejados por crianças e jovens, não possuem valor intrínseco, seu valor mercantil advém das interações socioculturais em que estão implicados (Garcia-Canclini, 2006). Dizendo de outro modo, o valor não está no objeto em si, mas nos significados que concentra e distribui a quem o possui. Parece que hoje "os objetos nos significam" (Sarlo, 2006). Assim sendo, o processo de adquiri-los passa pelo crivo de sua importância e significado social para o grupo a que o sujeito pertence, e eles determinam quais as posições e funções sociais que o mesmo ocupará e desempenhará. Essa distinção social associada à posse de objetos aciona a teia articulada para a captura de consumidores, e movimenta cifras astronômicas mediante o enredamento de milhões de sujeitos que vivem em busca de imagem pública e aceitação social. Crianças e jovens - na atualidade mais independentes e também responsáveis pela aquisição de produtos - buscam incansavelmente adquirir uma gama infindável de significados distribuídos pelos inúmeros produtos colocados em circulação nas teias do consumo. Fazem isso para sentirem-se parte integrante do(s) grupo(s) com o(s) qual(is) se identificam. Contudo, se os sujeitos estão constantemente buscando objetos que os habilitem a pertencer a um grupo, por que os descartam continuamente? O que ocorre é que a moda, na contemporaneidade, se baseia em duas lógicas: "a do efêmero e a da fantasia estética" (Lipovetsky, 2006, p.35). Assim sendo, constantemente os significados a serem consumidos pelos sujeitos são substituídos por outros considerados estética e momentaneamente "corretos" e aceitáveis. O que se percebe é que a renovação, o descarte, a surpresa e o divertimento são os valores que atualmente dinamizam o mercado. (Garcia-Canclini, 2006). Nesse contexto, crianças e jovens aprendem, desde muito cedo, a buscar aceitação social através do consumo. Na cartilha da sociedade consumista, a nova geração parece já ter compreendido que "[...] um bom consumidor é um aventureiro e amante da diversão" (Bauman, 1999, p.90). Nela os sujeitos são ininterruptamente convocados e produzem-se para viver na busca de novas sensações e significados. Tais constatações nos levam a refletir acerca da forte relação entre a aquisição de produtos e o processo de aceitação social dos sujeitos. E mais, nos levam a admitir que o ato de consumir está conectado com a identidade e com a cidadania.
Referências bibliográficas
- Bauman, Zygmunt. Globalização: as conseqüências humanas. Trad. Marcus Penchel. Rio de Janeiro. Jorge Zahar, 1999.
- Bauman, Zygmunt. Modernidade Líquida. Trad. Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.
- Garcia-canclini, Nestor. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização. 6. ed. Trad. Maurício Santana Dias e Javier Rapp. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
- Lipovetsky, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas. 9. reimpressão. Trad. Maria Lúcia Machado. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.
- Sarlo. Beatriz. Cenas da Vida Pós-moderna: Intelectuais, arte e vídeo-cultura na Argentina. 4 ed. Trad. Sergio Alcides. Rio de Janeiro: UFRJ, 2006.
Patrícia Ignácio
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