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Madeira: desporto às avessas

?não constitui vocação de um governo, ainda para mais de uma região ultraperiférica, limitada e assimétrica em múltiplos aspectos, económicos, sociais e culturais, desenvolver projectos que visem, prioritariamente, a sua representatividade externa, deixando a população, como os estudos indicam, distante de um bem educativo e cultural.

Ouço e leio, de quando em vez, discursos laudatórios à política desportiva do Dr. Alberto João Jardim. Do acompanhamento e análise da situação que há longos anos faço, eu diria quanto infundadas são tais manifestações de exaltação política. É que, passados trinta anos, o desfecho tinge-se de cor negra. Da complexidade da teia construída não é fácil dissecá-la em espaço tão limitado. Alguns números, porém, satisfarão a eventual curiosidade do leitor:

Aplicações orçamentais no desporto nos últimos seis anos (euros):
2001 ? 21.887.292,00
2002 ? 21.890.008,00
2003 ? 24.145.144,00
2004 ? 39.939.234,00
2005 ? 22.856.491,00
2006 ? 27.752.244,00
Total: ¤ 168.470.413,00

Taxa de participação desportiva:
Segundo os dados do último estudo, 77 por cento da população com idades compreendidas entre 16 e os 74 anos de idade, não têm qualquer tipo de actividade física. E mesmo os 23 por cento que dizem desenvolver alguma prática física ou desportiva, pelo menos 8% não são regulares.

Participação desportiva na relação entre o sistema educativo e desportivo:
O Sistema Educativo, onde o Desporto Escolar se inclui, movimenta cerca de 3.500 alunos, o que significa cerca de 7,9 por cento da população escolar. No último ano lectivo estiveram matriculados 43.823 alunos de todos os graus de ensino diurnos, à excepção do pré-escolar e creches. No Sistema Desportivo, concretamente no Desporto Federado, na época de 2005-06, registou-se a participação de 16.546 praticantes nas categorias análogas ao desporto escolar. Isto significa que onde era imprescindível ter muitos praticantes a Região tem poucos e onde deveriam existir poucos, porque o federado é sobretudo qualidade, regista muitos.

Desporto federado ? relação entre sexos:
Dos 16.546 registados, 71,14 por cento são masculinos e 28,86 por cento são femininos. Acresce uma outra curiosidade: no federado, enquanto prática qualitativa, 32,5 por cento pertencem à categoria dos seniores e 33,64 por cento ao conjunto das categorias de iniciados, juvenis e juniores. Isto é, há quase mais seniores que o somatório das três categorias anteriores que são de formação de praticantes.

Financiamento:
Curiosa, também, a relação existente entre o Sistema Educativo e o Sistema Desportivo. Em 2006 foram atribuídos, fundamentalmente para benefício directo do sistema desportivo, 27,7 milhões de euros; à prática desportiva regular das escolas pouco mais de 500 mil euros.

Representação da Madeira nos quadros competitivos nacionais:
Para competir ao mais alto nível o associativismo desportivo da Região necessitou, em 2005/06, de contratualizar 266 atletas continentais e estrangeiros.

Face aos números que caracterizam a situação, obviamente nos aspectos mais relevantes, deduz-se que a Madeira tem um desporto às avessas. Trata-se de um desporto ao serviço da política e não de um desporto ao serviço da educação e do desenvolvimento. Tanto assim é que em 2005/06 o governo da região assegurou 1493 representações individuais e colectivas nos planos nacional e internacional, o que significa cerca de 150 participações mensais, valor este a multiplicar pelo número de atletas que cada representação contempla.
Ora, o que hoje se exige é, portanto, uma profunda reflexão política sobre o financiamento da prática desportiva, desde logo se se justifica um leque de 54 modalidades dependentes do erário público bem como de 170 clubes e associações subsidiodependentes distribuídos por 54 freguesias. Numa Região, acrescento, cujo orçamento não tem capacidade de resposta relativamente a outras prioridades sociais e culturais. Apenas um exemplo: a Madeira, numa população de 245.011 habitantes, regista, oficialmente, 55.000 pobres e uma taxa de analfabetismo de 12,7 por cento (2001).
Impõe-se, assim, a necessidade de operar uma rotura na mentalidade imposta pelos sucessivos governos da responsabilidade do Dr. Jardim. Desde logo porque à Região Autónoma da Madeira compete criar as condições para a execução de uma política de generalização, crescimento e desenvolvimento da actividade física e desportiva. Não lhe compete, pois não constitui vocação de um governo, ainda para mais de uma região ultraperiférica, limitada em múltiplos aspectos, económicos, sociais e culturais, pobre e assimétrica, desenvolver projectos que visem, prioritariamente, a sua representatividade externa, deixando, como os estudos indicam, a população distante de um precioso e imprescindível bem educativo e cultural. Trinta anos depois!


  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 173
Ano 16, Dezembro 2007

Autoria:

André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal
André Escórcio
Mestre em Gestão do Desporto. Professor do Ensino Secundário, Funchal

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