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O estado do mundo
O Fórum Cultural que, sobre o tema em epígrafe, a Fundação Calouste Gulbenkian louvavelmente tomou a iniciativa de promover, convocando personalidades representativas de várias áreas do conhecimento, teve por objectivo - no dizer do presidente daquela prestimosa instituição, Rui Vilar, em entrevista ao "JL" -"reflectir sobre as incertezas do tempo presente, lançar interrogações e pistas para o futuro, novas abordagens metodológicas e novas formas de intervenção."
"O processo de mundialização no plano económico, de par com a acrescida mobilidade social, o diálogo e o conflito entre culturas e várias expressões do multiculturalismo, as questões demográficas e ambientais, a forte convergência de novos actores na cena internacional, tudo o que faz parte de uma realidade que nos confronta no quotidiano ou quando projectamos o futuro" - são alguns dos grandes tópicos reveladores dos "sinais dos tempos" que justificam um debate sobre o actual estado do Mundo.
Foi este mais um debate a juntar a tantos outros que, centrados em áreas mais ou menos específicas do conhecimento, vêm, de há séculos, suscitando as preocupações de filósofos, cientistas sociais e homens de boa vontade, face às "incertezas", "angústias" e "medos" que, ciclicamente, assolam a humanidade. Refiram-se, por exemplo, além dos que, operando no âmbito restrito das academias universitárias ou dos circunlóquios passageiros que, no dizer sarcástico de Ortega y Gasset, "pululam como infusórios", aqueles que se manifestam com a amplitude dos conclaves ecuménicos, como o realizado, há uns dois anos, em Milão, pela Comunidade de Santo Egídio; ou de inspiração ecléctica, como a que motivou, em 1950, a Sociedade Europeia de Cultura, sedeada em Veneza, ou a Corporação Internacional de Cientistas, nascida de uma reunião de sábios, em 1957, na cidade de Pugwash, na Nova Escócia, seguida de uma segunda, em 1958, na cidade de Quebec, no Canadá, e de uma terceira, também em 1958, nas cidades austríacas de Kitzbuhel e Viena.
Mas nem o facto de nele terem participado oitenta cientistas de vinte e uma nações de Leste e Oeste, que, como anotou Fidelino de Figueiredo no seu livro "Entre Dois Universos" (1959) (imprescindível, mas quem o lê hoje?), "sem prejuízos políticos ou nacionais lealmente terem discutido o perigo da guerra nuclear, a actual corrida aos armamentos e a responsabilidade dos homens de ciência na presente idade atómica", mereceu a devida atenção da comunicação social, "porque as seis agências telegráficas dominadoras da opinião não encontraram no facto novidade jornalística de sensação comparável à dos lançamentos de foguetões intercontinentais."
Quem se lembrar hoje dos importantíssimos Encontros Internacionais de Genebra, iniciados em 1946 e mantidos durante cerca de duas décadas, com o apoio das autoridades cantonais suíças e da UNESCO, e que, sintomaticamente, em 1958, trataram o tema "O Homem e o Átomo", cuja divulgação se ficou a dever às Publicações Europa-América (o seu editor, Francisco Lyon de Castro, ainda participou num deles) não poderá deixar de louvar a iniciativa da Fundação Gulbenkian, na certeza de que continuarão em aberto as questões cruciais que preocupam a humanidade e que são, em muitas das suas vertentes, as mesmas que já sensibilizavam os pensadores da Grécia Antiga.
Fóruns nacionais e internacionais continua a haver muitos, todos avocando "causas superiores", tanto podendo ser causas particulares de "poder" ou de "classe", como causas gerais dos pobres, explorados e oprimidos, quais as defendidas pelos Fóruns Sociais que vão tendo lugar em vários países. O último daqueles, que não mudou substancialmente o paradigma que vem de trás, foi o do G-8, ocorrido recentemente em Berlim, rodeado por fortes cordões de segurança para conter a indignação de grupos contestatários.
Foi mais um encontro dos líderes dos países ricos e poderosos que usufruem, directa ou indirectamente, dois terços do rendimento mundial - sem questionarem que o pretenso sentido da História seja o de os mais fortes dominarem os mais fracos e que dois dos principais atributos que distinguem o Homem dos outros animais - a Ética e a Moral - sejam meras refracções teóricas de um inexorável destino ou condição, balizadas pela necessidade e o medo...
Mas se Fóruns deste tipo não servem para questionar o estado do Mundo, muito menos servirão para o transformar, como é defendido noutros Fóruns participados por quem acredita que no desempenho humano há um bem e um mal, um certo e um errado, propondo mudanças de destinos e condições.
É por isso que ainda se fala, preocupadamente, em Consciência e em Deus, a despeito de também haver quem, como os kualas da Austrália (sempre fatigados por ocuparem grande parte do dia a comer, segundo alguns entendidos, ou por efeito da propriedade sonífera da folha do eucalipto de que se alimentam, segundo outros), leva a maior parte da vida, despreocupadamente, a dormir.
Até quando isto será possível ? é outra questão.

  
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Edição:

N.º 172
Ano 16, Novembro 2007

Autoria:

Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto
Leonel Cosme
Escritor - Jornalista, Porto

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