Intertextualidades
Na querela sobre a Terminologia Linguística (TLEBS) foram vários os argumentos para a sua condenação. Um compulsar rápido de blogues, jornais, mails, cartas de leitores, cartoons e abaixo-assinados mostrará que entre as razões contra ela aduzidas uma é recorrente: a da dificuldade que tal terminologia coloca a professores e alunos. Para a ilustração da dificuldade exibem-se termos linguísticos que, por tão novos, têm força suficiente para causar 'o clamor da sociedade civil', como virá a dizer um dos seus mais veementes críticos. Limitada quase sempre à estreiteza da questão terminológica, o instrumento é caracterizado ? como se pode ler num dos fóruns a seu propósito ainda disponível na Internet - como um conjunto de "designações barrocas", "arcaico", cujos "termos são aberrantes, intragáveis e imbecis". Apesar dos últimos desenvolvimentos (ou por causa deles) ? a TLEBS encontra-se em processo de revisão ? a discussão continua e, embora quase sempre ao nível dos termos que a integram, em alguns dos contributos ficam visíveis as contradições e paradoxos de posições motivadas mais por questões territoriais e de 'amiguismo ideológico' do que, propriamente, por questões de ordem educativa. Encontrar-se-á neste caso do discurso contraditório e, por isso, profundamente nefasto quer para a discussão de aspectos essenciais da educação em línguas quer para a construção da opinião pública em geral, um dos mais recentes textos publicados em coluna de jornal diário. Convocando um dos argumentos, dito dos "defensores" da TLEBS ? o da sua adequação aos progressos da reflexão e investigação linguísticas ? o académico colunista, nada podendo ter contra isto, avança, num afã de solidariedade e desprendimento teórico, para exemplos do seu próprio campo de produção científica ? os estudos literários ?, de forma a ilustrar a "inconveniência" de tão "complexos" termos. Não interessa discutir aqui a dificuldade afirmada para o conceito "intertextualidades" que, segundo o colunista, nem alunos nem a população em geral entenderão. O que aqui se anota é a possibilidade de generalização a todo o currículo do princípio subjacente ao exemplo: o da "inconveniência" de termos especializados na escola. Na verdade, o que é dito sobre a TLEBS, alargado agora à metalinguagem da leitura literária, é perfeitamente generalizável à Matemática, às Ciências e a todos os domínios científicos escolarizados. Como o colunista, podemos perguntar: "que aluno entenderá ? ou? quem será capaz de dar um sentido útil a palavras como": algoritmo, probabilidades, literário, inequação, sustentabilidade, interacção sistémica, metamorfose, ?? e por aí fora, como será de esperar num conjunto de áreas de saber cuja identidade é também construída pelas suas linguagens especializadas. Pôr em causa tais linguagens, sem as quais a relação entre disciplinas escolares e saberes científicos seria nula, compromete-se até às suas fundações, e sem argumentos para além do da 'complexidade', a natureza e as funções da escola e dos saberes escolares. Ora, por muito estranho que possa parecer, algumas destas vozes que têm orquestrado o coro contra a TLEBS são as mesmas que denunciam: a "falta de exigência" e a "degradação do ensino"; as perguntas de exames por demasiado fáceis; os programas que "não promovem uma cultura escolar capaz de ultrapassar o discurso que os alunos trazem de casa"; que denunciam, em suma, o "facilitismo", palavra tão a jeito e tão fácil para reivindicar modelos de ensino elitistas e criadores de exclusão. É entre a inconveniência do 'complexo' e a acusação do 'demasiado fácil' que podemos colocar a hipótese de a questão à volta da TLEBS ter a montante razões outras que não a da complexidade dos seus termos. A ser só isso, caberá aos professores identificar as condições de uso pedagógico de tal instrumento de trabalho, atribuindo-lhe a função que qualquer ferramenta desta natureza deve ter na formação de falantes que, entre outros usos da língua, saibam distinguir quem lhes quer vender gato por lebre.
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