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Mais, mais depressa!
Cidade pobre, localizada na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Às vezes vista como "cidade dormitório", já que a maioria da população trabalha no Rio e despende muitas horas nos ônibus e trens: sai cedo e volta tarde. Mas a cidade não é um fantasma às avessas, desses que assombram em plena luz do sol. Com simplificações como esta (e isto vale para o poder público), o risco é não pensar a vida que pulsa também durante o dia, pelos que trabalham lá, pelos que não (mais) trabalham e pelos que ainda não trabalham.
Muitos dos que ainda não trabalham estudam, seja em escolas públicas não muito diferentes das que ficam "na cidade", seja em escolas privadas que tentam embalar melhor (em duplo sentido) o sonho de um futuro promissor. A câmera segue uma menina vestindo um uniforme que lembra um outdoor ambulante, pela inscrição dos patrocínios. Preso na saia azul-marinho, o indefectível telefone celular vibra. Nem mais um passo: é urgente conferir a mensagem de texto que chegou. Algumas risadas e a digitação da resposta. Uma tecla: enviar. Depois a pressa parece esquecida, na curva do portão da escola.
Algumas horas depois, lá vem ela, sorridente e falante, em meio a outras tantas. O grupo faz uma espécie de "pit stop" em uma barraquinha de cachorro quente. Logo depois, quase correndo, adentra a lan house mais próxima. Enquanto paga por meia hora, uma delas comenta que a patroa da mãe disse que, "na cidade", as lan houses custam o triplo ou mais. A menina focalizada no início só tem dinheiro para dez minutos. Olha para os meninos que entram em algazarra e pensa que ia ser muito difícil poder jogar aqueles jogos demorados. Quase explode de impaciência à espera de que tudo apareça na tela. Quer saber das últimas notícias dos seus ídolos da TV, mas também quer ver o MSN e, principalmente, a sua página no Orkut.
Então aquele ator bonitão saiu mesmo com aquela fulana feia! Eles dizem que são apenas amigos. Mas está ali na foto. Não dá para negar! Que bom que está todo mundo online ao meio dia! Vai ter festa na casa daquela garota chatinha no sábado. Melhor do que nada! Ela até que tem uns CDs legais. Puxa! Aquele garoto não podia ter deixado aquele depoimento idiota no seu Orkut. É preciso apagar porque senão, o que os outros vão pensar dela? Caramba! Perder tempo deletando dá vontade de xingar...
Nove minutos! Como o tempo passa rápido! Na porta, vê a vizinha de cima entrando. Ela não tem mais de oito anos e já está ali. Deviam proibir a entrada dos menores de 12. Ela já tinha essa idade quando abriram aquela lan house no começo do ano. O que ela não tinha, e continua não tendo, é aquela grana, dois reais por dia, para ficar meia hora ali depois da escola. Celular agora nem pensar! Pode tocar à vontade. Ela não vai perder o seu último minuto.
Ela acabou perdendo foi aquele filme do You Tube. Também ele leva quase 6 minutos! Se não fosse tão longo... Aí ela se lembra de que no dia seguinte vai ter filme na escola, depois do intervalo. Filme de quase 2 horas e a professora querendo que todos prestem atenção o tempo todo. Já avisou que vai ter teste na aula seguinte. Ah, se ela pudesse ficar quase 2 horas na lan house, sem teste depois (para não perder a graça), se ela tivesse internet em casa, assim tipo essa banda larga, ligada direto... O filho da patroa da mãe, que não é da periferia, tem telefone e computador no quarto, é sem hora!
E a senhora professora? Será que ela vai ficar prestando atenção no tal do longa-metragem que até já assistiu? Será que ela entende a geração vídeo clip? Será que ela fica muito tempo na internet? Será que mora em um bairro com direito a banda larga? Será que ela sabe que aquele papo de time is money pode ficar mais estranho com uma operação matemática no meio, assim tipo: quanto mais dinheiro, mais tempo e quanto menos dinheiro, mais pressa?

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 167
Ano 16, Maio 2007

Autoria:

Raquel Goulart Barreto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ
Raquel Goulart Barreto
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, UERJ

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