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O "internetês" na escola

O e-mail é telefone sem constrangimento, fax sem sinal de ocupado, secretária eletrônica sem balbuciar para o vazio. Mas me pergunto se não estou sentindo falta de receber uma longa carta, com aquelas páginas de caligrafia personalizada, bem selada, gordinha e quentinha a me esperar numa caixa de correio de verdade. Estamos ficando maravilhosamente infelizes. (Nei Lisboa, músico)

O tema de que o músico trata está relacionado com as transformações geradas pela tecnologia, que são cada vez mais rápidas e bruscas em nossa sociedade.  Tais mudanças também têm afetado a forma como a língua escrita se manifesta, tanto em textos que circulam na internet, quanto em textos publicados pela mídia. A praticidade e a rapidez, proporcionadas pela tecnologia, mudaram parte da nossa cultura escrita: em conversas on-line e aliadas ao suporte eletrônico, passamos, de forma mais intensa, a utilizar abreviações, poucas letras, muitos símbolos, palavras-chave.  Ao observarmos tal linguagem, podemos comprovar que essa forma de escrever ultrapassa as telas dos computadores ou dos telefones celulares.  Mas, de que maneira essa cultura escrita está ultrapassando as fronteiras do ciberespaço? Tais mudanças têm afetado ou colocado em risco o uso da norma padrão valorizada na escola e na sociedade letrada? 
Em estudo que uma das autoras fez sobre o uso do internetês na escola, um dos objetivos foi analisar quem são os sujeitos que utilizam essa linguagem, por que o fazem, onde e com quem se relacionam.  Tais análises aproximam a pesquisa das discussões realizadas no campo dos Estudos Culturais em Educação. A pesquisa coletou e analisou todos os textos produzidos, durante o ano de 2005, por alunos (internautas) do Ensino Médio, em uma escola particular da região metropolitana de Porto Alegre (RS, Brasil), a qual se propõe a ensinar a norma padrão da língua falada e escrita. (Castro 2006)
No desenvolvimento da pesquisa, procurou-se identificar, inicialmente, qualquer ocorrência do que se chamou de "internetês" durante as atividades de ensino de língua portuguesa e, em seguida, investigou-se a escrita dos mesmos alunos em conversas on-line, informais, realizadas através do Messenger. Constatou-se, então, que o uso do internetês, por parte de estudantes internautas em fase de escolarização, provoca mudanças na sua relação com a língua escrita e promove diferentes tipos de relação com as mesmas pessoas. Isso ficou evidente pela forma escrita utilizada pelos alunos em ambientes e/ou situações diferentes. Sempre que a escrita era submetida à avaliação, apresentava um cuidado formal por parte dos estudantes. No entanto, em situações informais como em um bate-papo on-line, por exemplo, o internetês era utilizado com diferentes interlocutores, até mesmo com a professora de português.
Constatar que eles dominam e sabem utilizar a língua portuguesa de diferentes formas não traz novidades aos docentes de língua materna. Entender o porquê de eles agirem dessa forma sim. Para tanto, Castro (2006) elaborou uma entrevista com os mesmos participantes da pesquisa, no intuito de entender se a participação em comunidades da internet através da linguagem própria do ciberespaço pode caracterizar, inventar ou constituir novas identidades. A partir da análise das entrevistas, foi possível perceber que os estudantes têm consciência de que a língua é passível de diversos usos, de que quem constrói a língua são os usuários, de que as normas, por mais rígidas ou flexíveis, estão por toda parte e que elas devem ser seguidas para que sejamos aceitos em determinados grupos. A pesquisa sublinhou e considerou relevante a discussão, na escola, dessas novas formas de uso da língua, tanto escrita quanto falada, contextualizando os diferentes e possíveis usos da mesma. Além disso, considerou-se necessário compreender, a partir da pesquisa realizada, a posição de alunos/as e professores/as, a questão da autoria, do endereçamento, dos objetivos dos textos e, especialmente, do momento histórico e social em que vivemos. Tal compreensão torna-se emergente, na escola, em especial nas aulas de língua portuguesa. Na crônica "Amor só de letras", Mário Prata pondera:
E descobri, muito feliz da vida, que nunca uma geração de jovens brasileiros leu e escreveu tanto na vida. Se ele fica seis horas por dia ali, ou ele está lendo ou escrevendo. E mais conhecendo pessoas. E amando essas pessoas.
Jamais, em tempo algum, o brasileiro escreveu tanto. E se comunicou tanto. E leu tanto. E amou tanto.
Diante dos resultados apresentados, a hipótese mais distante de todas é justamente aquela de que os usos da norma padrão vão desaparecer. A mais provável é a de que ainda seremos surpreendidos muitas vezes, em razão das modificações a que todas as línguas estão sujeitas, especialmente aquelas que têm contato com o avanço das estruturas tecnológicas. 

Bibliografia

  • CASTRO, Fernanda. Navegadores na Escola: Identidade Cultural em Tempos de Internetês. Canoas: ULBRA, 2006. Dissertação (Mestrado em Educação), Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Luterana do Brasil, 2006.
  • PRATA, Mário. Amor Só de Letras. Disponível em: http://www.marioprataonline.com.br/index3.htm

  
Ficha do Artigo
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Edição:

N.º 162
Ano 15, Dezembro 2006

Autoria:

Fernanda Castro
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA
Lodenir Karnopp
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA
Fernanda Castro
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA
Lodenir Karnopp
Universidade Luterana do Brasil - ULBRA

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