Página  >  Edições  >  N.º 156  >  Divorciar não é deixar de amar. Ensaio de etnopsicologia da infância

Divorciar não é deixar de amar. Ensaio de etnopsicologia da infância

Para as mulheres que me têm amado e respeitado, e vice-versa,
especialmente essa que ainda amo porque permitiu a minha eternidade
na nossa descendência.

1.O título parece contraditório. Mas, a contradição é a lógica que ensina e da qual se aprende a tese que faz parte da vida e que a estrutura. Bem diziam Hegel e Marx que a evidência é a verdade, mas que perante essa evidência aparecia uma outra realidade ou antítese, e que das duas, nascia uma síntese ou realidade perante a qual a nossa vida se organiza e estrutura. Essa síntese é parte tese e parte antítese. É o que parece ser o matrimónio e o divórcio. A tese do casamento, é o amor; a do divórcio, é deixar de amar e escolher outra pessoa.
Normalmente, pensa-se que o divórcio, como está definido na Lei Civil e no Direito Canônico, é a mais terrível cissão entre dois seres humanos no Ocidente que não conseguem suportar viver sob o mesmo tecto, partilhar carinhos, amar incondicionalmente os descendentes, concebidos em conjunto, e a ascendentes conhecidos bem mais tarde, na vida cronológica. Mas, especialmente, conhecer seres humanos novos, simpáticos, sedutores,  que conquistam e avassalam a nossa emotividade. O divórcio é a estrutura que organiza um novo processo de interacção entre adultos e crianças. Os adultos, acabam por encontrar essa nova paixão, enquanto as crianças desencontram a confiança, a afectividade, o saber amar, o saber dizer com orgulho: este é o meu pai, esta é a minha mãe. Aos Domingos, nas férias, nos passeios, nas maneiras de se acarinhar. As crianças reparam, sem entender, que o mundo fica dividido em dois: os amigos (as) de um progenitor são os inimigos do outro. Enquanto que eles, no meio, acabam por não saber escolher. Os mais velhos ignoram a dor da criança e não reparam no dano que a falta de ascendentes que demonstrem o seu carinho quotidiano, faz das suas emoções, palavras que não conseguem explicar os sentimentos.

2. No entanto, será assim tão verdadeiro que o divórcio acaba com o amor entre cônjuges, ou, por outras palavras, entre pais e mães? Não haverá desenvolvimento dos adultos no decorrer da vida, que levam um para um tipo de interesse que não tinha no primeiro dia da paixão, quando concebiam? Será que não existe uma cronologia no tempo e mudanças nos costumes, que permita essa separação que nem o adulto percebe entende que começou a existir? Quanto mais a criança! Será que a passagem do tempo ensina formas alternativas de desejar, interacções intelectuais que atraem pessoas certas? As mudanças nas formas económicas e históricas da vida. O passar da acumulação do lucro das pós guerras à globalização, procurada para um grupo social ser mais forte que o outro. Talvez pareça estar enfatizar as formas domésticas de mais valia entre seres humanos. Então, a ética e a estética? E a educação? E o breeding de todo antigo casal?

3. O conceito é mitológico porque o divórcio é definido como a impossibilidade de se estar junto ao longo do tempo. Até aos anos 70 do Século XX em Portugal, as crenças e as formas de interacção, eram de grande emotividade. Aprendizagem de normas e ideias de que mulher está em primeiro e o homem depois. Embora, dentro do lar, os comportamentos pauta ? vão ? se pelo inverso. Enquanto as crianças viam e ouviam esta contradição e não a entendiam. Hoje, já crescida a criança, até dá a sua opinião sobre os que os seus pais fazem e eles ficam embaraçados. E, quando as crianças crescem e têm os seus filhos, esta nova descendência faz desenvolver uma afectividade entre progenitores, entendem-se, comentam, recuperam a memória do passado e aprendem a não falar de ideias que já provocaram dor.
O divórcio, assim pensado, não mata o amor. O divórcio não envolve apenas duas pessoas. Envolve o grupo social e vamos ficando assim habituados às novas afectividades. Há um senão entre adultos: formas psicológicas de entender a afectividade, organizar a mente como se de um tribunal se trata-se para entender o cônjuge. Facto que acontece menos com o passar do tempo.
A temática é complexa e muito extensa, mas a realidade é que o divórcio é a síntese do amor.


  
Ficha do Artigo
Imprimir Abrir como PDF

Edição:

N.º 156
Ano 15, Maio 2006

Autoria:

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Ana Paula Vieira da Silva

Raúl Iturra
Instituto Superior das Ciências do Trabalho e da Empresa, Lisboa
Ana Paula Vieira da Silva

Partilhar nas redes sociais:

|


Publicidade


Voltar ao Topo