A GUERRA ECONÓMICA
O drama é que se viu e está a ver-se! Ao escreverem esta frase, os autores estão conscientes do crime que cometem ao atacarem uma vaca sagrada, com todos os riscos de excomunhão que tal sacrilégio os faz correr. É que com a Europa não se brinca. É um assunto sério, mais do que isso, é uma ideia, melhor ainda, um sonho e, além disso, acessível. Criticar a Europa, pôr em causa a maneira como foi construída, fazer perguntas sobre o significado das decisões que são tomadas em seu nome é cuspir no rosto dos «pais fundadores», é lançar por terra quarenta anos de esforços ininterruptos, é destruir a esperança. «Santa, santa, santa é a Europa», cantam os seus adoradores, e ai dos descrentes que duvidam e ousam pensar que também ela escolheu o «partido da guerra». Mas é esse o caso, e desde o começo. E as provas não faltam, a começar pelo famoso Acto Único, que, entre outras coisas, liberaliza totalmente a circulação de capitais, provocando não uma tributação da poupança, como inicialmente estava previsto, mas uma efectiva corrida à desfiscalização, para grande felicidade dos que vivem dos rendimentos. O «pacto de estabilidade» que acompanhará o nascimento do euro também não está nada mal, acorrentando por um período de tempo indeterminado a política macro-económica da Europa, sob o olhar sobranceiro de um banco central «independente» (de quem?), havendo evidentemente poucas hipóteses de vir a ser dirigido por um émulo de Alan Greenspan. Muito simplesmente, basta ouvir ou ler as afirmações dos responsáveis europeus para constatarmos que o seu objectivo não é tentar preservar um modelo original mas de facto conduzir uma «guerra económica», começando pela guerra civil. Tal como está a ser construída, a Europa não põe em causa a mundialização «selvagem». Pelo contrário, participa nela, nem que seja através da Organização Mundial do Comércio - e todos sabemos bem os interesses que, em nome da liberalização do comércio, esta defende. Da mesma forma, a Europa não parece nada tentada a resistir ao «totalitarismo» (sic, Alain Minc) dos mercados. Prefere seduzi-los. É também essa mesma Europa que, certamente em nome da sua neutralidade ideológica, põe em causa a própria noção de serviço público e faz das privatizações uma prioridade absoluta. É, finalmente, essa mesma Europa que, gravemente, se interroga quanto à rigidez do mercado de trabalho de que o velho continente «sofre» e quanto ao peso insuportável - claro, insuportável - da protecção social colectiva. Daí a pensar-se que a Europa de Maastricht se tornou um cavalo de Tróia que permitirá liquidar as poucas ilhotas de resistência que ainda travam o processo de globalização só vai, um pequeno passo. Escrever isto é constatar uma deriva sobre a qual podemos interrogar-nos aonde irá parar. Não é injuriar os «pais fundadores» (já agora, imagine-se a cara que fariam ao descobrir o que os seus sucessores fizeram do bebé!). Também não é condenar a ideia de uma união europeia nascida imediatamente após a Segunda Guerra Mundial e que era então portadora de esperanças reais. Com efeito, é verdade que uma Europa unida seria capaz de construir um modelo original. É igualmente verdade que não se prosseguiu nessa direcção quando as coisas se tornaram mais difíceis devido à aceleração da mundialização, ao crescente poder dos mercados financeiros e à emergência das tecnologias da comunicação, sem esquecer o colapso do comunismo. De quem é a culpa? «Dos tecnocratas de Bruxelas, a quem os políticos soltaram muito as rédeas», clamam alguns. Notória imbecilidade, que apenas permitiu que se evitasse o único debate válido, a saber o que diz respeito às vantagens e aos inconvenientes do sistema capitalista. Mais uma obscenidade. É que o capitalismo beneficia hoje do mesmo estatuto que a Europa: o de vaca sagrada. Não esmagou ele o seu inimigo comunista, a justo título desprezado? Não demonstrou ele soberbamente a sua flexibilidade e a sua capacidade de adaptação? E, ao fazê-lo não terá ele adquirido um passaporte para a eternidade? Um regresso às fontes, de certa forma o «fim da história» ao contrário. Mais: interrogarmo-nos sobre o capitalismo, até mesmo pôr em causa a sua perene legitimidade, não será o mesmo que confessarmo-nos saudosos do «paraíso socialista»? De qualquer forma, a questão nunca é abordada, pelo menos frontalmente, e os críticos mais audaciosos contentam-se em referir os danos causados pelo «pancapitalismo» ou pelo «capitalismo selvagem». Estes esperam certamente domesticar a «besta», como outrora aconteceu, quando esta sofria a dupla pressão das reivindicações sociais, que na época pareciam justificadas e «modernas», e da atracção exercida pela «pátria dos trabalhadores». Tendo esta dupla pressão desaparecido, devido à explosão do desemprego e ao colapso de um modelo tão ineficaz quanto maldito porque tirânico, desejamos muitas felicidades aos aprendizes de domador! Mas nunca se sabe, talvez a curto ou médio prazo se acabe por conseguir controlar as multinacionais e os mercados e fazer recuar todas as formas de intervenção colectiva, a começar pela do Estado, sem se pôr em causa os próprios fundamentos do capitalismo! Por enquanto, este prospera e alimenta-se da guerra civil mundial com as cumplicidade dos seus zelosos ou resignados servidores!
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