Esta manhã, quando procurava os meus óculos, puxei a gaveta do meio da secretária e reparei nos pequenos seres que lá viviam. Entre o estojo dos óculos e o maço de fotografias, havia um simpático e jovem casal de minúsculas personagens. Ele, cerca do tamanho do meu polegar, tinha olhos claros e estava a sorrir. Ela, não maior que o meu dedo mínimo, aparentava ser muito aprumada mas ágil; 0 cabelo dourado preso atrás caía-lhe sobre os ombros. Olhavam um para o outro quando eu abri a gaveta e ambos se voltaram para mim ao mesmo tempo. Para eles devo ter parecido tão grande como Deus, imenso e poderoso. Sorri-lhes. O sorriso foi equivalente a uma mudança atmosférica. Todavia não mostraram medo algum. Dando as mãos, avançaram alguns passos para a borda da gaveta que estava encostada à camisola que eu usava. O jornal com que a gaveta tinha sido forrada estalou sob os seus pés. Baixei a cabeça devagar, ciente de que os meus movimentos podiam ser como tremores de terra para eles. Não pude distinguir a expressão dos seus olhos; eram do tamanho de cabeças de alfinete. Muito claramente explicaram que estavam em dificuldades; a mãe dela não concordava com o casamento. Soava como um apelo. Tendo acabado de tomar o pequeno almoço, estava particularmente bem disposto. Na gaveta havia todo um mundo. Emoções. Problemas. Foi por puro acaso que dei primeiro com aqueles dois. Descobri que eles tinham muitos, muitos parentes, vivendo também na gaveta, nas suas casinhas. Havia uma rua dessas casas, talvez mesmo uma cidade inteira. Fiquei surpreso por encontrar a minha gaveta cheia de lares, amor e ódio... Com uma estranha mas não desagradável sensação, compreendi que as minhas mãos e a minha voz tinha subitamente ficado envolvidas com as vidas daqueles minúsculos seres. Inesperadamente, tornara-me uma grande força que, tendo acidentalmente entrado em contacto com os seus assuntos, podia agora influenciá-los de modo decisivo. Eles eram tão pequenos que nada significavam para mim, embora eu pudesse ser tudo para eles. Repito que estava de muito boa disposição, e fiquei imediatamente interessado pelos problemas deles. Prometi interceder junto da mãe da rapariga. Encheu-me de prazer antecipar acena; que grande autoridade eu seria aos olhos da mulher! Olhando mais de perto a gaveta, distingui nela um horizonte, a existência do que nunca suspeitara. Senti-me amistoso e magnânimo. O dia de Agosto prometia ser um belo dia. Gracejei com eles, ri e cheguei mesmo a ir ao espelho para observar os meus olhos cinzento-esverdeados e obscenamente grandes comparados com os pontinhos minúsculos deles. Por fim, dando a entender delicadamente que tinha de me ir embora, saí. No café encontrei um homem que tinha estranhas ideias acerca de mim. O céu enevoou-se e começou a chover. A chuva já tinha parado quando regressei a casa, mas a superfície desigual da estrada estava coberta de poças de água. Um camião ao passar salpicou o passeio de lama. Tentei saltar para o lado, mas foi em vão: as minhas preciosas calças claras, novinhas em folha, ficaram salpicadas de lama. De volta a casa, abri a gaveta à procura de uma escova. Quando me avistou, o homenzinho fez sinal de querer falar-me. Com tímido sorriso, explicou-me que havia chegado o momento preciso para a minha intervenção, no caso de querer ajudá-los... Com um movimento impaciente, varri-os a todos com a mão.
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