À toada da existência de uma falta de auto-estima dos portugueses, que às vezes parece compulsiva pela vibração que transmite a muitos dos discursos sobre "o estado da Nação" que se lêem e ouvem, como uma litania, nos órgãos da comunicação social, juntou-se, como que em contraponto, a afirmação, sincera ou terapêutica, de que o que falta a Portugal é a publicitação, além fronteiras, das suas reais qualidades. Ou seja, o país, segundo a leitura que dele fazem alguns assumidos representantes da opinião pública, sofre sobretudo de um défice de comunicação da excelência das "marcas" nacionais, que, sem mais favores do que uma eficaz prática de "marketing", se colocariam ao lado de outras reconhecidas internacionalmente. E logo são invocados, como razões de orgulho nacional, os Descobrimentos, a EXPO-98, o vinho do Porto, a construção de dez mega-estádios de futebol para o EURO-2004 - menos citado, o Prémio Nobel da Literatura, conferido, em 1998, a José Saramago, e sempre esquecido, o Prémio Nobel de Medicina, partilhado, em 1949, entre professor Egas Moniz, médico-cirurgião, e o fisiologista suiço Walter Hess. Sendo geralmente de políticos, economistas e empresários as vozes que se ouvem a fazer a pedagogia do optimismo, aliás sempre salutar, faltaria saber se o povo indiferenciado se reconhece, realmente, como sofrendo de uma falta de auto-estima responsável pelo "estado da Nação" e em que medida esta, por inteiro, tem a "consciência de si" necessária para se auto-analisar e poder concluir se no "pathos" lusitano a sobreestima não tem sido mais determinante do que a subestima. Na verdade, não poderão ser tomados como falta de auto-estima os "sinais" de um país, considerado o mais pobre da União Europeia, onde a maioria da população (que é pobre ou remediada) ambiciona usar roupas de marca, passar férias em zonas chiques, ter um automóvel para passear, gastar mais dinheiro em comida e vestuário do que os outros europeus, ter mais telemóveis, em média, do que os americanos, possuir uma casa com móveis de estilo, por vezes uma vivenda com piscina - e não se sentir diminuído por registar os mais baixos índices de instrução e leitura, a maior percentagem de absentismo na escola e no trabalho, de cursos universitários sem aplicação prática, de mortos na estrada e de presos preventivos nas cadeias. E se juntarmos a estes "sinais" de clara sobreestima (e não ao contrário), reveladores de uma "consciência de si" que se satisfaz com um imperativo, - "parecer bem" - outros "sinais", bem mais antigos, veremos que há um "pathos" nacional que conserva práticas e juízos de valores já predominantes no século XVI, quando, segundo Alexandre Herculano numa releitura de Vitorino Magalhães Godinho (vidé Estrutura da Antiga Sociedade Portuguesa), a população portuguesa propendia para "o luxo, a ostentação e os gastos desnecessários, com vista ao prestígio", numa "pirotecnia de vaidades" que se prolongou através dos séculos... É um facto que nunca se ajustou aos portugueses a máxima de Amiel - "Sê, não pareças." O servo sempre aspirou a parecer um "senhor", o pobre a parecer rico, o senhor e o rico fazendo tudo para mostrar que o são. Uns, querendo iludir as distâncias; outros, sublinhando-as - porque em todos a grande aspiração foi sempre "parecer o melhor possível" e a naturalidade nunca satisfez o ego lusitano. Não será tudo isto prova de uma sobreestimada "consciência de si", para ocultar porventura - parafraseando Eduardo Lourenço - uma relação conflitual que os portugueses têm com a sua imagem heróica? Respondam também os sociólogos e os historiadores, e não apenas os políticos, os economistas e os empresários. Se for, não bastará incentivar os agentes do Mercado nem os promotores da Imagem: é indispensável investir na Educação e na Cultura, pois é com estas que se modela o espírito e a consciência dos povos, e as nações, respeitadas, se colocam umas ao lado das outras.
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