O Orçamento do Ministério da Educação para 2004 representa a continuação do precipício. De novo, uma redução abrupta num sector fundamental para inverter um modelo económico e social que considera implicitamente como vantagens comparativas do nosso país a iliteracia, a desqualificação da mão-de-obra e a desmobilização cognitiva dos cidadãos, ingredientes tidos por alguns como essenciais para gerar um salariato dócil e mal pago? De facto, a quebra nominal é de 4,2%. A quebra real, tendo em conta a inflação, será, certamente, ainda maior. Pior, ainda, é o facto do desinvestimento ser transversal a todos os níveis de ensino: um crescimento nominal de 2% no pré-escolar significa, na verdade, uma descida real e, quanto ao básico e secundário, os números falam por si: menos 6,1%. Diz o ministro que tal se deve a um melhor aproveitamento das verbas: menos despesismo, eficiência, racionalização, optimização de recursos. Diz ainda o ministro que a quebra demográfica, tão acentuada, reduz a população escolar e, por conseguinte, menos alunos exigem menos despesa. Mas, pergunto, não seria esta a ocasião ideal para nos libertarmos do colete de forças ideológico e orçamental, deitando para o caixote do lixo da propaganda a linguagem tecnocrata e gestionária? Não se configura este momento como crucial para a conquista de novos públicos: os que cedo abandonam a escola para engrossar as fileiras do trabalho infantil ou adolescente, os que desistem mercê do insucesso escolar acumulado? Não se revelam os políticos e as políticas pela capacidade de combaterem a fatalidade (neste caso, as leis da demografia)? Não valeria a pena investir na qualidade, no acompanhamento tutorial dos alunos com maiores dificuldades, no apetrechamento dos estabelecimentos de ensino, na animação dos espaços-tempos escolares? Ou esta opção (a do desinvestimento na escola pública) traduz uma outra escolha, um não-dito que perpassa, contudo, na acção concreta do governo: legitimar o facto consumado, essa espécie de destino que nos oferecem na bandeja do discurso sobre a crise ? o país que não sai da cepa torta.
|