NA SEGUNDA METADE DO SÉC. XX, A LIBERDADE COMO PRINCÍPIO E COMO IDEAL PASSOU A OCUPAR O CERNE DA ACÇÃO EDUCATIVA.
Se a educação se reporta tradicionalmente às situações correntes de ensino-aprendizagem e de transmissão de valores culturais e éticos, seja em contexto escolar, seja no âmbito da família ou de instituições religiosas, já a pedagogia social tende a aparecer ligada a espaços sociais de contornos educativamente indefinidos que, talvez por isso, escapam às malhas mais estreitas dos projectos educativos intencionalmente estruturados. Acontece ainda que, na segunda metade do séc. XX, a liberdade como princípio e como ideal passou a ocupar o cerne da acção educativa, emprestando-lhe a valorização dos contornos característicos das vivências autónomas que sucedem ao espontaneísmo do militantismo típico das investidas não-directivas da primeira metade do século e ao autoritarismo que as antecedera. O curioso é que, ao mesmo tempo que a pedagogia escolar ? como conceito e como fundamento ? é arredada do trono do poder educativo, dados os seus vínculos pressupostamente doutrinários, a pedagogia social, na sequência da 2ª Guerra Mundial e dos traumatismos sociais que ela deixou ficar, conhece um importante desenvolvimento. Com ela, o trabalho social junto de populações especialmente carecidas ganha em termos de rigor e de reconhecimento científico, contribuindo para a decisiva evolução que se vai processar precisamente desde o ponto de vista assistencial até ao educativo. Por outras palavras, o que acontece é que das cinzas da destruição e da violência emerge uma sociedade que quer fazer da prática dos direitos humanos a sua bandeira. Ora, para isso, sente-se que é preciso, para além dos ideais políticos, recorrer-se aos contributos das ciências sociais e humanas, nomeadamente aos estudos de natureza sociológica, subordinando aqueles a preocupações coerentes de índole assumidamente formativa e não apenas ideológica. É assim que a normatividade muda de estatuto e renova a sua legitimidade, absorvendo as orientações dimanadas da investigação, sobretudo da sociologia crítica, da psicologia social e das ciências da educação. Como grande objectivo perfila-se a construção intersubjectiva do social, o que significa que se pretende que a configuração e gestão deste não seja atribuída a instâncias colectivas de sentido em que a responsabilidade individual se dilui ou se até se aliena. Na verdade, o que acontece é que enquanto no meio escolar, mais protegido, permanece a dominância da liberdade como princípio antropológico ? do que decorre a repulsa pelo normativismo pedagógico e a defesa, apoiada sobretudo na psicologia, da iniciativa espontânea -, a nível do trabalho social, onde o traumatismo das loucuras de sujeitos pretensamente iluminados foi mais evidente, impõe-se a responsabilidade como antídoto, como princípio director e como finalidade dos projectos de intervenção. No caso português, com uma trajectória histórica que nos manteve relativamente imunes às vicissitudes dos grandes conflitos mundiais ? e à circulação das ideias ?,a distinção não é tão clara, sendo a expansão efectiva da não directividade um fenómeno tardio e tímido, ao mesmo tempo que se prolonga o enquadramento caritativo e filantrópico do social. Neste contexto, o normativismo de teor político tende a imperar indiscriminadamente subalternizando, conforme os casos, a prevalência da liberdade e da responsabilidade. Ora, parece-nos ter chegado o momento de se proceder a um balanço da situação criada e, sobre esta avaliação, recuperarem-se as potencialidades da responsabilidade ética que a pedagogia social protagoniza, incrustando-as na moldura de liberdade de que, entretanto, os projectos educativos escolares são os principais depositários. Isto sem ficarmos amarrados às particularidades que a história ditou e tirando partido daquele que acabou por se tornar um património cultural cuja reelaboração crítica se revela importante. Os actos arbitrários de sujeitos irresponsavelmente livres são uma ameaça constante, como também o é a aparente e arbitrária responsabilidade inculcada por aparelhos ideológicos sem rosto. Em ambas as situações esfuma-se a ideia da educação como encontro, construção e partilha interactiva de sentidos, de interpretações, de explicações, de projectos e de acções. E se o normativismo ? por ser cegamente imposto - constitui um risco ao ser desregulador da autonomia, já a normatividade é uma mais valia a ser edificada precisamente por pessoas que, em conjunto, se confrontam e em conjunto instituem as normas que garantem o exercício responsável da sua liberdade, isto é, da sua autonomia. Há que promover, pois, em todas as frentes e sem reservas mentais de qualquer tipo, o entrelaçamento renovado da educação e da pedagogia social. Para salvaguarda do carácter educativo do social e, complementarmente, da dimensão social da educação.
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