Lamentava, há tempos, no "Jornal de Letras", um prestigiado professor universitário e igualmente conceituado ensaísta e crítico literário a existência, em Portugal, de "uma desconfiança pertinaz em relação a estudos literários de proveniência académica", enquanto não se poupavam encómios a textos "engenhosos e de fugaz fosforescência, (...) onde não raro abunda em devaneio e mesmo em improvisação o que falta em rigor, informação e verdadeira penetração hermenêutica." E mais lamentável ainda, quando se sabia que "aqueles que deveriam ser os primeiros e mais empenhados interessados na matéria - os escritores cujas obras são objecto de análise demorada, fundamentada e rigorosa - são, não raro, os primeiros a depreciar contributos que mereceriam maior respeito e outra sorte, que não o distraído descaso a que muitos votam trabalhos sérios e longamente reflectidos." Não suscitando qualquer dúvida a pertinência destas considerações, só faltaria saber se o facto apontado deve ser compreendido apenas por ocorrer "num país de gente preguiçosa", para quem "é mais fácil e mais expedito alinhar difusas impressões pessoais sobre uma obra, um autor, uma corrente literária ou um episódio sociocultural, do que ler intensivamente textos, confrontar posições críticas, convocar referências bibliográficas e avançar inovadoramente por terrenos ainda não desbravados" - ou também porque o que deveria ser um sério e conspícuo trabalho académico não raro se afasta daqueles exigentes pressupostos, que são os da descoberta e da inovação, em favor de "um saber cada vez mais do menos", como diria Agostinho da Silva, no jeito "iconoclástico" que lhe é reconhecido, para distinguir que nem sempre o discurso académico (claustral) é um discurso universitário (cosmopolita). Por outro lado, nem a "oficina" ou o "claustro" onde se operam os estudos literários são imunes às "leis" gerais do menor esforço e da mistificação que vigoram em Portugal e em todo o "sítio" onde a aurea mediocritas cunha as aspirações humanas. Em tempos de ânsia de sucesso e feroz competitividade, seja na Universidade, seja em qualquer outro lugar onde se procura um título ou um patamar para conseguir uma carreira ou ganhar um protagonismo, até a ciência foi inquinada pela habilidade, o labor da investigação cedeu à recolecção das citações de terceiros, a limpidez do pensamento depurado foi mascarada com a opacidade do discurso iniciático, tantas vezes para cobrir a pobreza da reflexão com ouropéis linguísticos e a falta de sabedoria com fosforescências de erudição; a originalidade foi preterida pela quantidade (cada tese pressupõe determinado número de páginas) e o "avanço inovador por terrenos ainda não desbravados" foi substituído pela mais ou menos artificiosa repetição de "descobertas" há muito já realizadas. Não é esta uma regra geral, bem entendido. Mas se as excepções não são tantas ou tão visíveis como seria desejável, então a culpa pode ser da "oficina", que não torna atraente o "produto" que fabrica, ou do "claustro", que se satisfaz com a "horta" que cultiva para consumo próprio - ambos, afinal, responsáveis pela desatenção dos que não são fiéis da mesma igreja ou irmãos da mesma confraria. Se tudo isto também serve para explicar a facilidade com que se entronam e destronam os ídolos e a omissão dos que, por vezes injustamente ignorados, nunca o chegaram a ser, teremos de nos render à paráfrase daquela "máxima" banalizada de que os países têm as (in)gratidões que merecem...
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