Confundem-se hoje sob a designação de interculturalidade duas realidades bem distintas: a capacidade de estabelecer a ponte entre culturas, quer dentro de si, quer na relação com o outro; e aquilo que, erradamente, é trazido para dentro da escola e que, por vezes, não passa de mero folclore.
As práticas pedagógicas interculturais, que deveríamos antes chamar de multiculturais, assentam numa ideia de cultura, entendida como substância ou essência, e que foi sobretudo veiculada por alguns antropólogos culturalistas americanos, como Kroeber ou Ruth Benedict. Numa concepção dinâmica de cultura, são os indivíduos que entram em contacto. A cultura como entidade autónoma desaparece, e o homem cultural dá lugar ao sujeito activo, manipulador da cultura, explorando as incoerências culturais e conflitos sociais para estender ao máximo a sua margem de liberdade. Esta abordagem revela-se particularmente adequada para pensar a relações interculturais e as estratégias identitárias por parte de indivíduos em situação de aculturação. Pelo que se adivinha a sua utilidade na promoção de políticas educativas que tenham em conta a realidade cada vez mais heterogénea das nossas sociedades. Ao rejeitar uma concepção essencialista de cultura, e, em consequência , de identidade cultural, e ao propôr a cultura e a identidade como processos dinâmicos que os indivíduos podem manipular, é igualmente posta de lado a concepção errada de que os problemas de integração dos filhos de minorias étnicas ou de imigrantes têm a ver com um alegado ?mal-estar? identitário por viverem entre dois mundos e não pertencerem a nenhum. O que gera o mal-estar e consequentes problemas de integração, e, como consequência disso, também os problemas de escolarização, não é a incapacidade para conviver com códigos culturais diferentes mas o estigma que recai sobre a pertença a um determinado grupo. Não se pode pedir ao filho de um imigrante que interiorize um conjunto de valores que o estigmatizam . Há uma dimensão ontológica que ele irá privilegiar em termos identitários para escapar à estigmatização. O apelo das raízes e das tradições, isto é, a identificação étnica, surge como fuga à identificação negativa imposta pelo grupo maioritário. Quando a escola, em nome do respeito pela diferença, embarca neste discurso que conduz à guetização, contribui para perpetuar as desigualdades. Como diz Louis Dumont, não se pode invocar a diferença sem invocar a hierarquia. As dificuldades que as sociedades ocidentais têm na gestão destes problemas ganham de vez em quando grande visibilidade, como tivemos oportunidade de constatar a propósito da menina muçulmana impedida de usar o «chador» numa escola pública francesa, e, mais recentemente, em Espanha. Neste episódio, emerge com particular acuidade, a dificuldade de um Estado-Nação, nascido do ideal iluminista e da modernidade, em lidar com as pretensões de grupos que reclamam o direito a uma diferença assente numa lógica não moderna, ? a legitimidade comunitária contra os direitos individuais.
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