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Todos na escola, todos desiguais?

A proliferação de modalidades de concretização da escolaridade básica e obrigatória parece indicar que a opção pela construção da escola de geometria variável está em progressiva implantação e afirmação também nesse nível de ensino.

Num estudo recente sobre o processo de criação e desenvolvimento do subsistema de Escolas Profissionais identifiquei uma tendência que tem vindo a consolidar-se no sentido da construção de uma escola de geometria variável. Esta opção política, que me parece já visível no processo de reestruturação do ensino/formação de nível secundário desenvolvido entre 1987-1996, assenta na estratégia de expandir o acesso a altos patamares de escolarização e aos respectivos diplomas de forma (mais) alargada prevenindo e restringindo as mudanças que concorreriam para uma democratização cultural e social com alcance equivalente. Trata-se de edificar uma instituição educativa que abrange durante um período prolongado de tempo amplas categorias sociais, que difunde (mais) generalizadamente diplomas de níveis crescentemente superiores de escolarização, mas que se dota dos mecanismos que permitem controlar ciosamente as fronteiras que definem a cultura legítima e/ou superior e o acesso aos níveis e sectores do sistema de ensino em que aquela é distribuída.
Pode afirmar-se, e eu própria o defendi já, que muitas das soluções adoptadas têm raízes centenárias; no entanto, este modelo de instituição educativa é também novo, não só porque contém estratégias inovadoras como porque nunca tantos foram instigados a prolongar a escolarização durante tanto tempo.
Não posso, assim, deixar de chamar a atenção para o facto de que a proliferação de modalidades de concretização da escolaridade básica e obrigatória parece indicar que a opção pela construção da escola de geometria variável está em progressiva implantação e afirmação também nesse nível de ensino. Os currículos alternativos e os cursos de educação e formação, a par dos recentemente anunciados exames no final do 9º ano, são medidas que, apresentando uma natureza radicalmente distinta, sugerem a expansão da tendência enunciada. No mesmo sentido parece apontar, ainda no que toca ao ensino secundário, a proclamada intenção de prolongar a escolaridade obrigatória para 12 anos até 2010, enquanto se pretende desde já restringir fortemente o acesso ao ensino superior eliminando os candidatos que não obtenham uma classificação mínima de 9,5 valores nos exames nacionais do 12º ano das disciplinas específicas para o ingresso em determinado curso.
O estabelecimento de exames no 9º ano indicia a prevalência de uma aspiração a aprofundar a geometria variável do serviço educativo vincando clivagens e diferenciações em fases mais precoces do percurso escolar obrigatório. Se recorrentemente é confirmado que os estrangulamentos do nosso sistema educativo residem nas taxas de insucesso e abandono ainda verificadas na escolaridade básica e, de forma mais gritante, no ensino secundário, qual o sentido de medidas que podem ter como consequência importante a desqualificação oficial (pela via da multiplicação dos percursos e das respectivas certificações hierarquizadas ou do mero incumprimento do imperativo legal) daqueles que se invectiva a alcançar elevados patamares de escolarização?
Por outro lado, a intenção de desvincular definitiva e amplamente a escolaridade comum e a escolaridade obrigatória aponta para um outro projecto político-cultural de educação dos portugueses em que a difusão universal de um mínimo cultural comum, hoje encarnado pela escolaridade básica, se desvanece como sentido estruturante. A edificação de uma escola de geometria variável pode, se este for o caminho prosseguido, assumir contornos parcialmente descoincidentes com aqueles que a reforma dos anos oitenta parecia desenhar.


  
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Edição:

N.º 123
Ano 12, Maio 2003

Autoria:

Fátima Antunes
Univ. do Minho
Fátima Antunes
Univ. do Minho

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