O século XX é o século do cinema e das suas ramificações (TV, video,
computador). Desta forma seria compreensível que o sistema de ensino tentasse
integrar o cinema e o audiovisual, colmatando assim uma falha do sistema de
formação, fornecendo instrumentos que permitam um relacionamento mais vasto com
estas realidades.
O cinema aparece no contexto do florescimento dos mass media, iniciado
com a imprensa e posteriormente com a rádio. O cinema, ao reproduzir imagens e
sons da realidade, materializa o aforismo "ver para crer" e ganha uma dimensão
de veracidade, nunca antes experimentada, através de verosimilhança com o real
ou dos fenómenos sensoriais de apreensão do real.
É neste contexto e com esta vantagem que o Poder e particularmente os regimes
do início do século, usaram o cinema como elemento fulcral de propaganda de
massas de que são exemplos os realizadores Eisenstein e Pudóvkin no regime
comunista soviético de Estaline, ou Leni Riffenstall no III Reich de Adolf
Hitler.
Do outro lado do Atlãntico, a iniciativa privada promovida pelo capitalismo
americano faz sair das objectivas das máquinas de projectar um feixe de luz
composto por estrelas, mitos, ilusões, que provocaram e direccionaram até hoje
o imaginário, os valores, os anseios e os ideiais de grande parte do público à
escala planetária. Como refere Edgar Morin "as Estrelas de Cinema (...) Estas
divindades, criaturas de sonho resultantes do espectáculo cinematográfica (...)
são seres que têm as propriedades simultaneamente do humano e do divino,
análogas em certos aspectos aos heróis mitológicos ou aos deuses do Olimpo,
suscitando o culto, mesmo uma espécie de religião".
O fenómeno cinematográfico extravasa, assim, largamente, a sala de cinema, e a
sua omnipresença sente-se hoje na televisão e na publicidade. "As estrelas
continuam a apadrinhar produtos de lingerie, cosméticos, concursos de beleza,
competições desportivas, vendas de escritores, festas de caridade,
eventualmente eleições: nos Estados Unidos, as estrelas intervêm activamente
nas campanhas políticas". Quando Edgar Morin escreveu o seu "Estrelas de
Cinema", em 1972, não podia prever que Ronald Reagan, um ex-actor de cinema,
viria a ser presidente dos EUA.
Outro aspecto que não pode ser negligenciado relaciona-se com o lugar de relevo
que o cinema ocupa hoje na sociedade. De facto, aos jovens são propostas
imagens em movimento que os cultivam, estimulam, interessam, impressionam,
influenciam e condicionam. Hoje os jovens vêm mais imagens do que letras, e
essas imagens têm por vezes mais peso do que a informação fornecida pela
leitura.
O cinema e o audiovisual surgem-nos, hoje em dia, como uma inevitabilidade. Por
outro lado, a imagem e a imagem em movimento suscitam as suas mensagens,
propõem-nos modelos e comportamentos, condicionam de uma forma positiva ou
negativa a nossa atitude e concepção do mundo. É deste fenómeno tão abrangente
que tratamos.
Para quem acredita no modelo de sociedade que temos, baseado no escolarização
dos mais novos, na transmissão de conhecimentos e valores a aplicar na vida de
adultos e, desta forma, passar a mensagem às gerações futuras, seria necessário
que o estudo deste fenómeno social, político, artístico que é o cinema e o
audiovisual, estivesse contido nos currículos escolares de forma disciplinar. A
grande maioria dos jovens portugueses contactam com o cinema e o audiovisual
fora da escola, de uma forma empírica, não obstante a unânime importância
atribuída por autores e pedagogos a estes meios de expressão e comunicação na
efectiva formação dos jovens.
É portanto difícil que, para quem acredita na formação dos jovens através da
escola, aceitar que esta esteja de costas voltadas para a realidade, permitindo
que, sem instrumentos, porque não foram dados, os nossos jovens sejam
condicionados, informados, meros consumidores de quem usa estas linguagens como
forma de manipulação. Esta é a vertente mais imediata da implicação
socio-política da ausência do cinema e do audiovisual na escola.
Por outro lado, as possibilidades artístico-expressivas do cinema e do
audiovisual são dificilmente acessíveis às camadas mais jovens da população
escolar. A tendência é de secundarização das áreas artístico-expressivas na
política do ensino em Portugal por oposição à legislação em vigor.
Espera-se por parte dos agentes de ensino, e em particular dos professores das
áreas artísticas, uma tomada de posição objectiva na defesa dos valores em que
acreditam, consubstanciadas em atitudes e acções que façam prevalecer o Homem
enquanto ser criativo, expressivo, sensível e equilibrado.
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