Face à velocidade tecnológica e aos travões da economia,
alguns vão afirmando que a escola deve ter um duplo papel: educar para o emprego
e o desemprego.
Em fins dos anos 1960, um historiador de Harvard publicou um
texto que se constituiria numa significativa contribuição ao estudo da evolução
do capitalismo e tornar-se-ia um clássico no seio da História Económica. O historiador
chamava-se David Landes e o livro era The Unbound Prometheus, que, na
tradução brasileira, recebeu a denominação de Prometeu Desacorrentado.
Aí, na parte dedicada aos processos que caracterizaram a reconstrução e o crescimento
económico da Europa Ocidental no pós-guerra, Landes realçou alguns factores
que, em seu entendimento, teriam sido centrais para a vertiginosa ascensão económica
europeia. Dentre eles, aponta o aumento dos conhecimentos científicos e tecnológicos,
a ruptura com o saber convencional da ciência económica e "o novo espírito de
cooperação internacional". Com base nisto, e numa altura em que Theodoro Schultz
dava corpo às suas teses sobre o capital humano, o professor Landes não
conteve as suas expectativas: Concluía que, com o suporte do conhecimento e
da inovação tecnológica, haveria um infindável desenvolvimento que promoveria
intensamente a ascensão político-económica entre países e social internamente
a eles. Não demoraria muito tempo para se ver quão equivocada era essa ideia.
O quadro delineado logo no início dos anos 1970 foi, numa situação que se pode
buscar inspiração analítica nos chamados ciclos de Kondratiev, de fechamento
de uma fase e de início de outra. O capitalismo avançado entrou num período
de esgotamento que, como diz Eric Hobsbawm, marca o fim da Era de Ouro,
seguindo-se, a partir de 1973, a história de um mundo que perdeu suas referências
e resvalou para a instabilidade. Diante da exaustão dos sistemas de câmbio fixo
de Bretton Woods e da crise do petróleo, que desencadearam fenómenos como a
pressão inflacionária, a diminuição do ritmo de crescimento económico e as tendências
ao desemprego, teve início a reviravolta antikeynesiana. O capitalismo flexível
estava a caminho. Nesta conjuntura, assistiu-se ao adeus à
ideia de posto de trabalho como algo estável, permanente, donde actualmente
o tão difundido conceito de empregabilidade tira proveito, e traduz a
demonstração empírica de que não há emprego para toda a gente.
Em tal cenário, as novas tecnologias foram apropriadas como recursos nas iniciativas
em prol da superação da crise e da recomposição do padrão de acumulação - num
processo que, ideologicamente, se beneficiou da queda dos regimes burocrático-estalinistas
da Europa do Leste -, sendo manifestações suas no mercado de trabalho, por exemplo,
a informatização e a robótica. Ao mesmo tempo também, diante da erosão da noção
de posto de trabalho como algo estável, difunde-se a "pregação" concernente
à necessidade de tornar as pessoas "empregáveis", dotando-lhes das devidas competências.
O que, na prática, reservado o trabalho degrado e sem segurança social para
a mão de obra imigrante, significa reconhecer que "educar para o emprego" implica
igualmente em "educar para o desemprego". E assim promove-se uma lógica de desenvolvimento
que, como afirma um especialista em temas de Economia da Educação (Pablo Gentili),
transforma a dupla "trabalho/ausência de trabalho num matrimónio inseparável".
Apesar de factos como os que aludimos, nos dias presentes, concebendo-se o desenvolvimento
tecnológico de modo a-histórico, por todos os lados, não se pára de referir
as "propriedades terapêuticas" da educação em relação ao desenvolvimento nacional.
E há até mesmo boas intenções que, em Manifestos, se deixam levar por
essa retórica. Ora, usando um pouco o "combustível da ironia" como arma da
crítica, é o caso de se dizer, com as necessárias mediações, que se a questão
fosse apenas de mão de obra qualificada, a perspectiva dos países da Europa
do Leste seria outra.
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