1ª Crónica Julho 2008
Caro Paulo Serralheiro
Aqui te estou a escrever esta crónica para o jornal
A Página. Não calculas o entusiasmo destes tempos que estamos
a viver... aqui pelo sul.
Foi por alturas de Maio, Junho que esta "arraia miúda"
vinda de Almada, Damaia e Barreiro avançou para os terrenos esmantelados
do antigo aeroporto da cidade de Lisboa.
O terreno estava vazio desde que se instalara o novo aeroporto
na Ota.
Dizia-se que tinha sido adjudicada uma obra megalómana
aos arquitectos americanos da Bushson Company. Doze torres de 120 andares cada
uma. A megacidade pretendia ser uma operação imobiliária
altamente choruda para os partidos, empreiteiros e para a chusma de escroques
que servem de intermediários neste tipo de operações.
Porém, ninguém esperara o surto de consciência
ecológica que varreu, estes últimos meses, toda a Europa, com
reflexos em Portugal. Este Maio de 2008 lembrava um outro Maio de há
quarenta anos que vivi em França. Só que agora as coisas são
mais firmes e mais concretas. Sente-se que a população se cansou
do lixo cultural que as televisões impingiam. Nestes últimos meses,
os partidos clássicos tinham deixado de governar. Já não
há papalvos para aregimentar à gestão podre do capitalismo.
A consciência cívica emergiu com os factos trágicos
que se sucederam ao longo dos últimos anos: as vacas loucas, a febre
aftosa, a generalização da epidemia da SIDA e os trágicos
incidentes da agro-indústria vieram esgotar a paciência da malta.
Acabo de sair duma assembleia popular que se formou aqui no
terreno do antigo aeroporto. O pessoal esteve reunido durante 2 dias. Várias
comissões de trabalho prepararam propostas para o destino a dar a estes
imensos terrenos.
Fiquei impressionado com o que se passou. Um elevado sentido
cívico. Uma responsabilidade e grande maturidade dos participantes.
A decisão foi tomada: decidiu-se ocupar esta área
do aeroporto para uma Universidade Livre para o Desenvolvimento Ecologicamente
Sustentável. Retoma-se assim um projecto com alguns anos, que aparecera
numa Revista de Arquitectura & Vida. A televisão e a rádio
estão a dar ampla cobertura a estes acontecimentos... continuarei a reportagem
num próximo número.
2ª Crónica Agosto de 2008
Continuo aqui em Lisboa, seguindo as peripécias que
se passam na zona do antigo aeroporto. Pelas ruas da cidade reina um clima de
festa. Ao mesmo tempo, aparecem por todo o lado comissões com alto grau
de responsabilidade. A televisão mudou, como já deves ter reparado...
a escola pública e livre já foi decretada. O nosso sindicato tem
sido altamente apoiado na iniciativa dos novos programas sobre aprender a
aprender e sobre a auto-gestão no ensino.
Vou agora relatar-te o que se passou durante este mês.
Depois de se ter decidido transformar as pistas do velho aeroporto
em terreno cultivável, vieram várias escavadoras tratar do terreno.
E o pessoal começou a plantar. Está a nascer uma fabulosa área
de agricultura biológica: trouxeram-se árvores, constituíram-se
pomares, hortas, jardins aromáticos e medicinais.
Professores e estudantes de Paisagismo, desenharam um traçado
artístico para a zona de jardinagem e das hortas. Não falta pessoal
para ajudar nesta tarefa de actividades rurais.
Começaram os trabalhos para a irrigação
e tratamento de águas residuais nos próprios jardins onde se estão
a fazer bio-estações de tratamento.
Do Instituto de Agronomia veio gente que começou já
a organizar o eco-sistema.
Não vão faltar abelhas e animais integrados ao
desenvolvimento rural, cavalos, vacas, ovelhas, etc.
Está a ser montada a cantina e a cozinha que permitirão
confeccionar os produtos da quinta, utilizáveis por aqueles que participem
nas tarefas ou que doutro modo contribuam para a manutenção auto-gestionária
da cooperativa social.
Uma organização agro-artesanal permitirá
a confecção de compotas, infusões, queijos, iogurtes, etc.
Um mercado biológico fará o escoamento dos produtos
agrícolas e dos produtos manufacturados.
Os professores e alunos do Instituto Superior Técnico
estão a planear a construção de mini-centrais de energias
renováveis com variados tipos de protótipos no domínio
da energia solar, eólica, biogás, que constituirão a base
essencial da produção energética com a ajuda da comissão
operária da Efacec.
Estruturas oficinais apoiarão a investigação,
construção e manutenção destas actividades.
Colaboradores que provêm de múltiplas formações
transdisciplinares, vieram participar na organização de um jardim
de aventuras e do imaginário, com instrumentos lúdico-pedagógicos.
Estas estruturas permitirão, no coração desta área
de agricultura biológica, apoiar uma animação para crianças...
uma escola "desescolarizada" onde se irá promover uma verdadeira
iniciação à vida saudável e solidária dos
jovens.
Os arquitectos estão já a tratar da eco-reutilização
dos edifícios existentes para múltiplas actividades de desenvolvimento
social. Os trabalhadores da cooperativa de construção civil estão
com as mãos na obra.
Utilizando as edificações existentes, está-se
a montar uma pousada de saúde com piscina, massagens, hidroterapia, fitoterapia,
dança e expressão corporal. Esta pousada articular-se-á
com um atelier criativo de formação às múltiplas
actividades estético-expressivas, teatro/cinema/pintura/comunicação,
etc.
Uma mediateca, salas de reuniões, auditório,
permitirão dar a este centro cultural de criatividade, uma logística
adequada ao auto-desenvolvimento e ao desenvolvimento social.
A assembleia decidiu a reutilização dos espaços
existentes mas transformando-os profundamente graças a uma eco-reutilização
exemplar: uso de materiais recicláveis, bio-construção
climática e uso de energias renováveis.
Este centro ou universidade popular livre e auto-gestionária,
federando associações múltiplas com características
claramente ecológicas, deverá tornar-se numa experiência
exemplar generalizada. Isto é, a sua acção de pedagogia
social deveria estender-se a todo o país.
Até breve!
3ª Crónica Setembro de 2008
Já se passou mais dum mês. Começa já a vivenciar-se
uma nova vida neste lugar.
Com a participação das pessoas, o aprender a aprender
tornou-se a filosofia desta escola sem escola: desenvolve-se uma criação
responsável através da autonomização solidária.
Estou bastante surpreendido com a situação da
habitação aqui em Lisboa. Já se acabaram as barracas degradadas.
Os lisboetas, tal como tu me dizias a propósito dos moradores pobres
do Porto, ocuparam as casas vazias. Foi incrível este facto das pessoas
se darem conta de que afinal era em virtude de especulações imobiliárias
que não havia casas para todos. Esta ocupação veio mostrar
que Lisboa tinha afinal 50% de casas vazias que só pela lógica
da ganância, criava tanta marginalização social.
As notícias sobre o antigo aeroporto vão de vento
em popa. Na assembleia geral, onde estive, discutiu-se o nome a dar ao centro
de desenvolvimento ecologicamente sustentável. Sugeri o nome de Instituto
Padre Himalaya pois, como expliquei, M.A.G. Himalaya foi um português
pioneiro mundial da ecologia. Muita gente já tinha lido o livro e visto
o filme sobre ele. E foi relativamente consensual tanto mais que naquele dia
apareceram em peso alunos e professores da Católica a aderirem ao projecto.
Alguém me contou que no dia da ocupação dos terrenos do
velho aeroporto, tocaram os sinos a rebate em várias igrejas. Toda esta
adesão dos católicos, como deves saber, deve-se às conclusões
do Concílio Vaticano Terceiro. Com efeito, desde que foi eleita a direcção
colegial e rotativa do papado ocidental e oriental, a igreja tornou-se mais
fransciscana. Tem vindo a assumir iniciativas cada vez mais comprometidas com
as questões sociais e ecológicas, tal como defendia o padre Himalaya.
Meu velho amigo Paulo Serralheiro, começam a medrar
as primeiras alfaces e temos para breve a cantina a abastecer-se em auto-suficiência.
Esta tarde fui até ao hangar nº 7 que se conservou como
estava.
A comissão do centro instalou um enorme zepelim que
é todo ecológico e que chegou há uns dias atrás.
Agora funciona num roteiro de apoio ecológico para as
crianças de todo o país. Levantamos voo pelas 15h30. Pacata e
silenciosamente este pássaro gigante voa sobre Lisboa...
Espero chegar brevemente ao Porto... vamos aterrar no Parque
da Cidade, o novo centro ecológico nacional.
Saudações revolucionárias
Jacinto Rodrigues
Universidade do Porto
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