1. O estudo sobre as instituições pedagógicas exige
uma análise aos mecanismos de funcionamento e gestão, aos currículos
formativos e aos conteúdos programáticos. Exige ainda a compreensão
dos perfis pedagógicos dos docentes e as relações existentes
entre a formação curricular e os formandos.
As instituições pedagógicas têm
assim especificidades próprias que lhes conferem um maior ou menor grau
de qualificação científica e também uma maior ou
menor democraticidade no funcionamento. Ainda, a estrutura curricular garante
uma maior ou menor abertura crítica ao sistema de reprodução
de poder.
Esta análise intrínseca dos vários sujeitos
e desempenhos, no interior das instituições, é importante
para a compreensão do modelo de ensino, permitindo caracterizar a rigidez
ou a flexibilidade da organização face à mudança
social.
Assim, a universidade, tal como qualquer instituição
total, manifesta o seu carácter carceral, assistencial ou autonomizador
através das suas lógicas disciplinares.
Não é objectivo deste artigo fazer "análise
institucional". Pretende-se aqui, situar as instituições
de ensino da arquitectura e do urbanismo, à luz dos paradigmas económico-sociais
em que se inserem, revelando as pressões exercidas pelo mercado e pela
dinâmica histórica produzida pelos conflitos sociais e pelas transformações
técnicas.
2. Importa perceber que a noção de paradigma
aqui utilizada, não expressa uma tipologia estática. O movimento
histórico das relações sociais, das tecnologias e das ideias,
manifesta-se através de antagonismos e contradições entre
vários protagonistas e desempenhos sócio-profissionais que se
expressam nas convulsões ou mudanças organizacionais. Daí
que a noção de paradigma apareça como referente didáctico,
pois na realidade existem transparadigmas que se metamorfoseiam ou entram em
ruptura continuamente, manifestando diferentes aspectos do poder político,
ora hegemónicos, ora subalternizados.
Acontece que, o que se nos afigura como a hegemonia dum poder,
revela muitas vezes a fase final desse "modelo", prestes a sucumbir
na voragem dos antagonismos que esse próprio poder gerou.
O capitalismo desta etapa da globalização, ou
seja, da era da biotecnologia e da informática, acelerou a concentração
monopolista e hegemoniza, graças ao capital financeiro, todos os processos
de produção, consumo material. E tem expressão também
no conhecimento, ou seja, nos quadros referenciais da produção
teórica.
A globalização é pois a continuação
dum processo da mundialização do capital, iniciado desde o séc.
XV. Porém, as transformações técnicas e organizativas
sofreram metamorfoses sucessivas.
Se o capitalismo do petróleo e da electricidade tinha
o "fordismo" como expressão moderna do funcionamento das empresas
e das instituições, privilegiando o carácter dos "estados-nação",
o capitalismo da globalização tem o "toyotismo" como
expressão das novas formas de organização empresarial.
Nesta última fase, o "império" pretende sobrepôr-se
ao "estado-nação". Uma cultura supra-modernista manifesta-se
através dum desejo de integração mundializada dos estados,
num consumismo de massas mais alargado e numa cultura dominante onde a indústria
mediática valoriza o "entretimento", o pensamento e o comportamento
homogeneizados, permitindo apenas singularidades "guetizadas" para
aparentes consensos democráticos com maior eficácia do que consensos
totalitários, impostos violentamente.
Esta nova fase foi acentuada por uma dupla estratégia
que desenvolveu em simultâneo:
- a livre concorrência do neo-liberalismo conducente à vitória
dos mais poderosos (factor essencial da monopolização crescente);
- uma regulação estratégica entre os interesses hegemónicos
através de organizações mundiais com atribuições
económicas no mercado (F.M.I., U.E., A.P.E.C., MERCOSUR). Essas instituições
governamentais mundiais fixaram também quadros jurídicos e políticos
para esta "nova ordem mundial" (O.N.U., O.C.D.E., O.M.C.). E a tradução
militar dessa regulação unificou os países de economia
dominante numa estratégia geo-político-militar através
da N.A.T.O.
Assim, assistimos por um lado a uma sociedade fragmentada e
a uma cultura de mosaico, de conflitualidade e decomposição crescente
(droga, criminalidade, doença, exlusão). Por outro lado, outras
expressões sociais intentam fabricar consensos de maiorias com intuitos
de marginalização das minorias críticas a este modelo dominante.
Assim, acentuam-se os laços de cosmopolitismo entre
o capital monopolista que se caracteriza pela sua implantação
transterritorial e graças ao anonimato dos accionistas. Nesta óptica,
o estado e os governos tornam-se empresas de gestão dos interesses monopolistas.
E os políticos têm tanto mais eficácia quanto maior "arregimentação"
popular conseguem para a representatividade desse poder.
Estas mudanças significativas na mundialização
económica, afectam toda a sociedade.
Para a consolidação dessa estratégia são
necessários dispositivos territoriais que consolidem e façam reproduzir
essa mesma estratégia de poder.
- As metropólis constituem a expressão territorial
deste novo ordenamento em que os "shopings", as "gares"
e os aeroportos se disseminam numa descentração geo-política
dos pólos decisionais, das zonas estratégico-militares e dos pólos
tecno-científicos. Não existe uma verdadeira descentralização
onde participem as populações, mas sim uma descentração
para maior flexibilidade do poder sobre o território e as populações
em geral.
Ao desenvolver-se essa ordem territorial tecnocrática,
cresce, ao mesmo tempo, uma desordem na periferia. A "cancerização"
urbana, aloja os excluídos, forja as "metástases" dos
subúrbios degradados, dormitórios depósitos onde se refugiam
emigrantes e outros excluídos.
Surgem modelos duma nova arquitectura que se apresenta como
processo de reforço engenharial em que a tecno-ciência é
empregue na "requalificação" de fachadas. Procuram situações
de espectáculo para a promoção do poder político,
ao mesmo tempo que se diversificam novos centros de consumo e se flexibilizam
novas formas de domínio através de dispositivos topológicos
que são novas formas de panópticos modernizados.
Esta arquitectura funciona "como rosto do poder"
sem mudança estrutural.
O design da arquitectura e do urbanismo que melhor se adapta
a este processo de homogeneização promove, a par de linguagens
únicas e dominantes, diferenciações aparentes, graças
a um certo uso do desenho assistido por computadores.
Assim, os novos modelos de arquitectura e urbanismo, do chamado
supra-modernismo, caracterizam-se por um neo-funcionalismo "high-tec"
que se permite revestir com "singularidades" formais, maquilhagens
do artifício produzido por essa computarização do design,
submetida aos designers do lucro.
3. Assim, um certo ensino da arquitectura e do urbanismo
é chamado a consolidar esta estratégia dominante.
Acontece porém que, face a esta visível globalização
do modelo capitalista, surgem contradições cada vez mais consequentes,
na sua expressão de mudança e alternativa.
Não se torna evidente o apagamento dos nacionalismos
face aos interesses internacionais do capitalismo. Surgiram mesmo expressões
nacionalistas, cada vez mais agressivas, não se podendo afirmar a falência
dos estados-nação.
Assim , ao estudarmos o paradigma da globalização,
não podemos deixar de analisar as conflitualidades crescentes que assentam
no antagonismo social.
A globalização acelerou o esgotamento dos recursos
naturais e fez aumentar a poluição. As contradições
entre o capital e o trabalho levaram à crescente exclusão de novos
grupos sociais, aparecendo novas frentes de lutas. O fosso entre os países
de economia dominante e os países de economia dominada foi-se alargando,
produzindo uma miséria crescente, uma situação larvar de
guerra e genocídio que caracteriza os fenómenos políticos
mais evidentes nos países de economia dominada.
Clarificam-se estratégias, acentuam-se polaridades entre
o modelo civilizacional tecno-científico e uma proposta alternativa de
desenvolvimento ecologicamente sustentável. As preocupações
ecológicas são cada vez mais evidentes e as alternativas concretas
vão já surgindo como expressão do novo paradigma emergente.
O desenvolvimento ecologicamente sustentável torna-se
assim mais claro aos olhos dos cidadãos que sofrem as consequências
da globalização, geradora de poluição e de esgotamento
dos bens naturais.
Também o movimento social, contra a globalização
monopolista, começa agora a dar novos passos em torno de uma geo-política
internacionalista e solidária. O movimento de Seatle até Porto
Alegre aponta para uma nova esperança do movimento social em busca de
soluções de um novo modelo civilizacional em que as energias renováveis,
os processos de reciclagem e de regeneração da natureza, consigam
impôr-se aos cataclismos gerados pelo paradigma da globalização.
É a sociedade civil em busca de uma economia mais humanizada.
Essas rupturas ideológicas e esses novos desafios sociais,
inserem-se em múltiplas brechas abertas na sociedade contemporânea.
Assim, para além das lutas e confrontos claramente manifestados
contra o poder, surgem intervenções de mudança no próprio
terreno instituído. Existem assim processos de ruptura em simultâneo
com acomodações e adaptações.
O sistema da globalização não é
incólume às novas reivindicações sociais e ecológicas.
O próprio mercado aparece sensível aos novos consumos marcados
por uma consciência social verde.
Com efeito, uma base social ecológica alargou-se, cada
vez mais, em virtude dos graves efeitos devastadores sobre o planeta, numa exploração
cega e destruidora. O alargamento da planetarização faz com que
assistamos à pilotagem crescente de interesses financeiros sobre uma
nova indústria verde que pretende acomodar-se às novas reivindicações
continuando a auferir lucros. Isto porém, é já o sintoma
de uma brecha cada vez mais profunda no modelo político hegemónico
que subverte a sua própria lógica.
4. Conflito e acomodação caracterizam
portanto, a situação actual deste paradigma em transição.
As preocupações de eco-desenvolvimento, as propostas
de eco-cidades e o aparecimento do planeamento participado são novas
frentes que têm reflexo nas propostas de ensino, no conteúdo dos
projectos expressos e na realização de propostas arquitectónicas
e urbanísticas. Assim, existem mesmo hoje, realizações
de novos projectos de eco-desenvolvimento em curso, provenientes de "estrelas"
significativas na arquitectura e no urbanismo que optaram por soluções
ecológicas na realização das suas edificações.
Os nomes de Foster, Herzog, Pianno, Perraudin e Lucien Croll, aparecem ligados
à arquitectura solar e ao eco-urbanismo. As revistas, publicações
e congressos de especialidade transcrevem e apoiam cada vez mais projectos ecológicos.
Novos utentes reclamam novos lugares. As Câmaras exigem novos tipos de
implantações. Estes sinais são significativos e constituem
referências para a mudança no ensino da arquitectura e do urbanismo.
Deste modo assistimos a uma conflitualidade que atravessa toda
a sociedade entre uma globalização de interesses meramente monopolistas
e uma planetarização crescente que resulta de uma tomada de consciência
ecológica e social.
O ensino reflecte este antagonismo. Se existem modelos de ensino
que tendem a encarar a arquitectura como resposta tecnicista tendo em conta
apenas os interesses lucrativos, existem cada vez mais propostas que tendem
a expressar alternativas ao processos de planetarização em curso.
5. No terreno institucional aparecem pois estas duas
tendências: escolas de ensino onde o perfil do arquitecto assenta essencialmente
no pragmatismo, na eficácia, na competitividade tecnocrática e
escolas de ensino onde se procura uma reflexão sobre o porquê das
formas arquitecturais e urbanísticas e a busca de novas alternativas.
Existe ainda, no seio duma mesma escola, esta dualidade de tendências.
O que caracteriza o ensino tecnocrático é o desprezo
da reflexão teórica. A história da arquitectura aparece
apenas como cardápio de modas. Substitui-se o processo educativo baseado
na reflexão, pelo didactismo ?expressão operativa ? ou seja "treinamento"
às respostas previstas pelo poder hegemónico. A tendência
tecnocrática pretende apenas saber o "como" fazer.
A tendência crítica orienta-se mais para o "porquê".
Procura uma reflexão epistemológica da história da arquitectura
e do urbanismo, tendente à criação de respostas mais sensíveis
aos interesses públicos. O centro das suas preocupações
é o paradigma emergente dum desenvolvimento ecologicamente sustentado.
Uma sociedade civil cada vez mais consciente, ecologicamente, á promotora
desta nova "encomenda social".
6. A faculdade de arquitectura da universidade do porto,
a uma escala reduzida e com o provincianismo que caracteriza o fenómeno
português, na periferia destas convulsões mundiais, expressa, no
entanto, os antagonismos e as contradições que acabamos de relatar.
A orientação "pragmatista do conselho científico desta
faculdade, presidida pelo arquitecto Nuno Portas, representa a tentativa de
eliminação do ensino teórico reflexivo. Ostraciza-se o
ensino teórico e promove-se uma vaga noção de "projecto"
que significa uma resposta tecno-formal, alheia dos interesses públicos.
Estimula-se o fachadismo e a tecno-ciência em detrimento da eco-técnica
e da reflexão teórica. Isso caracteriza o ensino nestes últimos
anos e a orientação do seu conselho científico, constituído
na base dum golpe burocrático e estatutário.
Porém, é o movimento crescente das questões
ecológicas, (reflexo dessa mesma preocupação na sociedade
portuguesa e mundial), que vai inventando uma alternativa a esta escola moribunda.
|