José Régio (1901-1969) pertenceu ao movimento da "Presença" e publicou o seu primeiro livro "Poemas de Deus e do Diabo" em 1925, mas é ainda hoje, sem dúvida, um dos valores intelectuais mais dignificantes da literatura portuguesa do século vinte. Escritor sempre muito exigente com os problemas da verdadeira arte que é a literatura, quando assumida em plena autenticidade como no caso pessoal do autor de "A Velha Casa", sabemos que nunca pactuou com os conflitos fáceis de grupos ou escolas literárias e sempre procurou novos caminhos para dar firme e verdadeira expressão à sua voz de poeta, romancista, contista, ensaísta e dramaturgo. E, embora tenha sido reconhecido como um grande poeta da primeira metade do século passado tão próximo de nós, Régio foi também um dos maiores ensaístas portugueses que melhor soube abordar os universos literários tão diferentes de Camões, Camilo, Sá-Carneiro, Botto ou Florbela Espanca, interpretando as suas obras à luz de postulados estéticos que adoptou e prosseguiu até ao fim da vida com uma profunda coerência. Por isso, nesse jogo de glória um tanto mundano como é o das letras, José Régio não fez a sua obra em mais de quarenta anos de constante criação çiterária, mas foi sobretudo feito por ela, e assim a sua obra permanece viva e é hoje de leitura quase obrigatória nas sucessivas reedições dos seus livros essenciais, como "Jogo da Cabra-Cega" ou os cinco volumes desse ciclo romanesco que é "A Velha Casa", mas também no teatro e em especial na poesia, com merecido destaque para o livro inicial "Poemas do Deus e do Diabo", "Biografia" (1929) ou "Cântico Suspenso" (1968). Mas, porque se trata de uma obra de múltiplas leituras, toda a criação regiana se revela ainda presente e actual no seu conjunto. Por isso, Vergílio Ferreira teve razão para afirmar publicamente em 1965, e com toda a razão, num tempo em que se denegria a obra literária de Régio aquando dos 40 anos de "Poemas de Deus e do Diabo",que "Régio é hoje o maior de todos nós".E, mais tarde, na altura da sua morte, acontecia em Dezembro de 1969, em que ficou sepultado na Vila do Conde sempre lembrada ("Vila do Conde espraiada, / Entre pinhais, rio e mar! / - Lembra-me Vila do Conde / Mais não posso lembrar"), o autor de "Aparição" pôde uma vez mais declarar que "todo o projecto de uma vida não curta como a de Régio foi assim a definição de um antagonismo entre a realidade e o que ela encobre, sendo profundamente o que ela encobre a vocação ao Absoluto". Ora, neste ano em que se deve comemorar do nascimento do grande Poeta de "Encruzilhadas de Deus" (1936), e esperamos seja celebrado com a atenção que bem merece e justifica, é bom reconhecer o mérito da presente antologia poética da sua obra, organizada por Isabel Cadete Novais, com o título bem expressivo de Não Vou Por Aí!, a evocar um dos poemas de Régio mais conhecidos pelo tão declamado "Cântico Negro": A minha vida é um vendaval que se soltou É uma onda que se alevantou. É um átomo a mais que se animou... Não sei por onde vou, Não sei para onde vou, - Sei que não vou por aí!
Por se tratar de um trabalho organizado com um claro sentido de divulgação da poesia de José Régio, a presente antologia coloca ao alcance de novos leitores muitos dos melhores poemas do autor de "Música Ligeira", tendo assim em conta, como diz Isabel Cadete Novais,"a representatividade dos mesmos poemas dentro do volume em que estão inseridos e a presença dos traços definidores da poesia de Régio, aspectos que pudessem realçar as múltiplas facetas do poeta na sua busca constante de unidade e diversidade". E porque o Poeta de "Biografia" nunca soube, como escritor, gerir bem a sua grandeza, pelo modo simples de viver e de conviver com pouca gente, dividido que sempre andou entre Vila do Conde e Portalegre (e por isso mesmo alguns críticos não deixaram estupidamente de o considerar um "escritor provinciano"), fechamos esta singela evocação do centenário do nascimento de José Régio e reafirmamos de novo que, pela complexidade e sinceridade da sua obra, é na verdade um dos grandes escritores deste nosso tempo português. Serafim Ferreira crítico literário José Régio NÃO VOU PR'AÍ! Antologia Poética organizada por Isabel Cadete Novais Edições Quasi / Famalicão, 2000.
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