No dia 4 de Julho de 1896, Máximo Gorki publicou, com este título, no "Nijegorodskiestok" um artigo sobre uma experiência absolutamente nova para ele. Esse artigo, tornou-se um clássico para a história do cinema e dele vamos transcrever alguns extractos: "Ontem à noite, fui ao reino das sombras. Se ao menos vós pudésseis imaginar a estranheza deste mundo. Um mundo sem cor, sem som. Tudo aqui - a terra, a água e o ar, as árvores, as pessoas - tudo é de um cinzento monótono. Raios de sol cinzentos num céu cinzento, olhos cinzentos num rosto cinzento, folhas de árvores cinzentas como a cinza. Não a vida, mas a sombra da vida. Não os movimentos da vida mas uma espécie de espectro mudo. Neste momento, é necessário que tente explicar-vos o que se passa, antes que pensem que fiquei louco ou complacente com o simbolismo. Eu fui ao Aumont e vi o cinematógrafo Lumière, as fotografias animadas. Este espectáculo criou-me uma impressão tão complexa que duvido que possa descrever todas as nuances. No entanto, vou tentar dar o essencial. Quando as luzes se apagam na sala onde nos mostram a invenção dos irmãos Lumière, uma grande imagem cinzenta, sombra de uma má gravura, aparece de repente no écran: é uma rua de Paris. Observando melhor, vêem-se viaturas, edifícios, pessoas, tudo imóvel. Prevê-se então que este espectáculo não trará nada de novo: quem não viu isto inúmeras vezes? De repetente, algo curioso parece produzir-se no écran; a imagem nasce para a vida. As viaturas que estavam ao fundo da imagem vêm direito a nós. Algures ao longe, aparecem pessoas e quanto mais se aproximam mais crescem. Num primeiro plano crianças brincam com um cão, ciclistas avançam e pessoas tentam atravessar a rua. Tudo mexe, tudo isto respira vida e de repente, chegados ao extremo do écran, desaparecem não se sabe para onde. E tudo isto é estranhamente silencioso. Tudo se desenrola sem que se ouça o barulho de rodas, o ruído dos passos ou qualquer palavra. Nenhum som; nenhuma nota da sinfonia complexa que acompanha o movimento da multidão. Sem ruído, as folhas cinzentas como cinza agitam-se como o vento e silhuetas cinzentas das pessoas condenadas a um perpétuo silêncio, cruelmente punidas pela privação de todas as cores da vida, estas silhuetas deslizam em silêncio sobre o chão cinzento. (...) Uma vida nasce perante nós, uma vida privada de som e do espectro das cores - uma vida cinzenta e silenciosa - uma vida pálida, uma vida em saldo. É terrível ver este movimento de sombras, apenas sombras, espectros, fantasmas; pensamos em lendas onde um qualquer génio do mal fez mergulhar uma cidade inteira num sono perpétuo e parece-nos ter visto Merlim operar um sortilégio perante os nossos olhos (...). Acabamos perplexos e deprimidos por esta vida silenciosa e cinzenta. Cremos que ela nos quer dar um aviso e que se desenvolve numa certa significação sinistra; faz-nos desfalecer o coração. Esquecemo-nos onde nos encontramos. Ideias estranhas invadem os espíritos; estamos mais ou menos conscientes. E de repente, ao nosso lado, ouve-se um burburinho alegre e depois um riso provocador de uma mulher. Então acordamos: estamos no Aumont, estamos no Aumont. (...) Ainda não vejo qual a importância científica da descoberta dos irmãos Lumière, mas sei que essa importância existe, que se poderá usar um cinematógrafo com os fins que são os de toda a ciência: a melhoria da vida do homem e o alargamento do espírito." Paulo Teixeira de Sousa Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis
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