Desde a sua chegada ao Ministério da Educação Francês, Jack Lang desejou pôr em marcha um projecto consistente de reformar, mas sobretudo, alargar o ensino das artes nas escolas. A missão para o ensino do cinema foi confiada a Alain Bergala que apresentou o seu projecto ao ministro, projecto ambicioso que tenta dar um novo alento e estruturação a um ensino ainda nos primeiros passos. O projecto Lang-Bergala, vem na altura certa para que o ensino das artes entre realmente nas escolas e não fique à porta de chapéu na mão a pedir humildemente a sua entrada. Segundo disse Dominique Coujard - professor de Biologia e Cinema - aos "Cahiers du Cinéma" de Dezembro/2000: "ainda hoje, as artes são, no liceu, consideradas como a última roda da carroça. Ao mesmo tempo, as artes fazem de comunicação e dão uma imagem positiva do liceu. As matemáticas levam ao bom porto, aos resultados, enquanto que nós damos uma imagem positiva, a notoriedade. Eis a nossa imagem. Nós somos a vitrina". Para Alain Bergala muitos professores "consideram ainda a imagem como um inimigo de que se devem defender. Para mim, importa antes de tudo o cinema como arte, depois como linguagem, em seguida como cultura. O meu trabalho chama-se "Missão para o Ensino Artístico". A arte é o cinema, não a televisão. Esta é muito importante, mas a sua aprendizagem tem a ver mais com a educação cívica, do compromisso de cidadania". Pelo contrário, Dominique Coujard considera o projecto muito restritivo e que se deve adaptar em função da realidade no terreno: "penso que os dois podem ser complementares. Estudar a estética de um "spot" publicitário pode ser apaixonante se se mostrar como ele nos manipula. Apresentar um filme a preto e branco aos alunos com dificuldades escolares não me parece evidente. É necessário começar com algo que eles já conhecem, ensiná-los a comunicar com as imagens". Alain Bergala acha por outro lado que se deve confrontar o aluno com uma forma de alteridade à qual ele não tem acesso: " a escola deve propor uma alternativa, mostrar o que as leis do mercado tornam cada vez mais difícil ver à escala do país, o que não quer dizer que se recuse mostrar "Eduardo, Mãos de Tesoura". No mesmo número Charles Tesson apresenta um texto sob o título "O Fim da Desconfiança" que a seguir se transcreve: "Durante muito tempo, a cinéfilia viveu sob a forma de "carolice", fora das salas de aula. Hoje, são as séries da TV Cabo que preenchem esta função junto dos alunos, com os jogos de video como componente. Quando o cinema entrou oficialmente na escola, há 15 anos, no quadro de acordos com as parceiros interessados (uma região, as escolas, salas de cinema), alguma vozes levantaram-se para exprimir os seus medos: a escola arriscava-se a afastar os alunos do cinema para toda a vida da mesma forma que afastou gerações da literatura francesa, nunca mais relida, por causa da maneira como tinha sido ensinada. Com o tempo, apercebemo-nos que o risco (sempre real) era mínimo comparado com o benefício imediato: ensinar aos alunos que o cinema tem uma história, da mesma maneira que a pintura e a música, e que não nasceu com Martin Scorsese. Sensibilizar as crianças para a arte cinematográfica, formar um gosto, tal é a missão vital da escola, numa época onde no cinema como na televisão tudo é efémero e desviante. Porque a memória do cinema alonga-se. As gerações mais novas vêem cada vez mais o cinema mudo como um território indecifrável, no qual se sentem analfabetos. A escola deve tornar a dar-lhe o gosto, para além do burlesco, sem que isso seja equivalente ao estudo do latim e do francês antigo num curso de literatura de língua francesa. A entrada oficial do cinema na escola foi contemporâneo da privatização dos canais de TV, com as consequências que se conhecem: multiplicação de filmes, de tal maneira que não há escolha, só o embaraço dela. A TV Cabo fabrica uma cinefilia individualista, onde cada um constrói o seu próprio percurso, não partilhável, que leva a outro sentido num labirinto infinito de possibilidades. Assim, o cinema na escola arrisca-se a ser o último lugar onde a descoberta do cinema será ao mesmo tempo individual e colectiva, partilhada com outros com base num programa comum. O projecto Lang opera uma verdadeira revolução colocando o cinema, desde as classes primárias, na categoria dos ensinos artísticos. Desde há 50 anos, que a Educação Nacional resiste ao cinema e prefere a palavra imagem. No meio docente, tudo está virado para a escrita e a linguagem, a imagem é vista como um perigo, uma ameaça a esta ordem que está condenada a desaparecer. Toda uma cultura de desconfiança das imagens foi importada para o meio escolar, a fim de inocular o contra-veneno necessário (a horrível expressão "aprender a ler as imagens" ), única balança pedagógica reconhecida pelo corpo docente. O projecto Lang espera claramente outra coisa deles. A primeira revolução será a das mentalidades: não mais aprender a criticar sistematicamente as imagens mas deixar às crianças a possibilidade de amar o cinema e, sobre esta emoção primária prolongar com uma reflexão o porquê e o como desta experiência sensível que a escola possa tornar isso possível, a faça desta intenção o seu projecto, independentemente dos meios postos à disposição, há que estar optimista. Paulo Teixeira de Sousa Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis
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