Por iniciativa da Cooperativa Cultural "Artistas de Gaia", decorreu entre 3 e 18 de Novembro, no Salão Nobre do Mosteiro da Serra do Pilar (Vila Nova de Gaia) o "Prémio Nacional de Escultura" que englobou ao mesmo tempo uma exposição colectiva de vários escultores e também de Aureliano Lima (1916-1984) como forma de homenagem a este Poeta e Escultor que na cidade da outra margem do Douro viveu durante quase trinta anos. Assim, no modo de pessoal de sinceramente nos associarmos a esta merecida homenagem, agora que passam dezasseis anos sobre a sua morte, acontecida em 15 de Dezembro de 1984, e sepultado ficou em campa rasa do cemitério de Mafamude, importa talvez relembrar que no conjunto da poética de Aureliano Lima, pela musicalidade dos seus versos ou da emoção sempre comovida, espalhadas nos poucos livros que nos deixou (e, de passagem, lembremos que desde há muito se justifica seja toda a sua poesia reunida num único volume e divulgada junto dos leitores que a não podem conhecer por estarem esgotados os livros que em vida pôde publicar), proclamamos uma vez mais que, por entre veredas de eucaliptos, nas águas que o tempo foi revolvendo ou afastando, o sentido da poesia de Aureliano Lima, de Rio Subjacente (1963) até O Leito e a Casa, que saiu postumamente em 1986, se afirma através de sinais, sombras ou imagens que fixou na sua escultura feita em mais de quarenta anos de trabalho, no meio de grandes adversidades, mas sem nunca encolher os ombros e prosseguir num trajecto criador bem pessoal e pelos caminhos da arte, na escultura e na poesia, ter aberto novos horizontes de que o tempo se encarregou de confirmar e por isso a não tem deixado, como de novo aconteceu com a exposição do Mosteiro da Serra do Pilar, que a obra de Aureliano Lima seja esquecida ou silenciada. Parece-nos, pois, oportuno divulgar hoje em "A Página" dois poemas inéditos de Aureliano Lima, extraídos do livro Diálogo de Cristais, que ficou inacabado quando a morte chegou, e serão mais tarde incluídos no conjunto da sua "obra poética". Serafim Ferreira DOIS POEMAS INÉDITOS de AURELIANO LIMA
Existir é exigir altos muros de oníricas estrelas com seu burel e sua sacrílega oração. Dai-me uma espora. Um livro. Um número. Talvez o zero: tão melancólico, entre o meu ser e a luz da aurora. Para a Maria Helena 1. Belo pelo cálice de teu nome é a tua face que beijo pela curva da idade como quem toca uma pétala de nardo. Aí se prolongam meus anos. Aí somos a carne e o espírito - levedura de meu peito em que gravo o teu perfil de sempre - sem palavras. 2.
Contigo se inocentam os pássaros o rio mais antigo do nosso navegar. Serás ainda um barco. Sê-lo-ás pelo mel (amado néctar) onde tudo é ontem sendo hoje mesmo navegando sobre a luz de níquel - tu nenúfar; tu ónix.
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