repelentemente fabuloso ou fabolosamente repelente? Há, na história do cinema, um antes e depois de Nuremberga, um antes e depois de "O Triunfo da Vontade" (rodado em Nuremberga durante o congresso do partido nazi de 4 a 10 de Setembro de 1934). Na aparência, trata-se apenas, de um filme de propaganda respondendo perfeitamente a uma das missões do cinema nacional-socialista: estimular o apoio de cada espectador ao "Fuhrer", reforçar a fusão da multidão com o seu chefe e o seu país: "Ein Reich, ein Volk, ein Fuhrer"! Esta totalidade para que tende o filme de Riefenstahl correspondia aos objectivos imediatos de Hitler: manifestar a unidade do Partido Nacional-Socialista à volta do seu chefe depois da "noite das facas longas" e a eliminação da SA, a unidade do exército e das tropas de choque do Partido - as SS - da juventude e do conjunto da população alemã... para que este monumento seja efectivamente um bloco, faltava operar a fusão entre o filme e o que é filmado. Não se trata apenas de estar presente no coração do acontecimento histórico, na situação de testemunha, como declarou Leni Riefenstahl em 1965 aos Cahiers du Cinéma: "o meu filme é apenas um documento. Mostrei aquilo de que toda a gente foi testemunha ou ouviu falar. E todos ficaram impressionados. Eu fui aquela que fixou esta impressão, quem a registou em película". Este registo, de facto, não tinha nada de impressionista nem de improvisado e, o filme responde perfeitamente a um princípio colocado por um dos iniciadores da estética nazi, Alfred Rosenberg ("O Mito do Século) "a arte germânica é acção, isto é, vontade que ganha forma", é uma idêntica vontade que ganha forma, que preside quer à realização, quer à organização do Congresso, uma e outra levam o mesmo título, escolhido pelo próprio Hitler. Se será excessivo afirmar que a forma do Congresso foi concebida inteiramente em função do filme, foi no entanto a primeira vez que o facto cinematográfico foi tomado em consideração na organização estética de uma tal manifestação. Leni Riefenstahl descreve com precisão em 1935 na sua obra "À Margem do Filme Sobre o Congresso do Partido": "os preparativos do congresso foram estabelecidos conjuntamente com os trabalhos preliminares do filme, isto é, que o acontecimento foi organizado de maneira espectacular, não somente como reunião popular, mas também de maneira a rodar um filme de propaganda... . O desenvolvimento das cerimónias, o plano, muito preciso, das paradas, dos desfiles, dos movimentos de multidão, da arquitectura dos monumentos e do estado, tudo isto foi determinado em função da câmara". Quaisquer que sejam as negações posteriores de Leni Riefenstahl, os seus choques com Goebbels, ela teve não só a confiança de Hitler, mas também beneficiou da cumplicidade de Albert Speer, o que é confirmado pela visão do filme. A encenação das grandes cerimónias nazis era deliberadamente uma concepção expressionista do início dos anos 20, os "Nibelungos" de Fritz Lang (entre outros) serviram de modelo. Ninguém mais podia a partir de "O Triunfo da Vontade", usar inocentemente uma realização totalitária, visando, entre outros objectivos, substituir a visão necessariamente parcial do espectador do cinema, por uma visão absoluta, totalitária do acontecimento, do mundo. Ao abandonar a Alemanha após um encontro mítico com Goebbels e uma ruptura real com o totalitarismo, Fritz Lang abre uma nova época do cinema, a partir da qual ficou a conhecer-se o poder do cinema e a sua conivência potencial com qualquer forma de totalitarismo. A partir daqui não basta mostrar ao mundo o que é visível, manifesto, mas o que é produzido, não dito, na directamente visível, mas motor dos acontecimentos, as personagens, os sentimentos... a obra posterior de Fritz Lang evolui, de "M" a "Fury" a "O Diabólico Dr. Mabuse" como todo o cinema moderno. Não foi por acaso, pois não há acaso no universo Languiano, que a Nouvelle Vague, escolheu Fritz Lang como referência moral e estética. Paulo Teixeira de Sousa Escola Secundária de Soares dos Reis Especializada de Ensino Artístico
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