Nascido em Quemchi, Chiloé, no sul do Chile, em 19 de Julho de 1910, ou seja, quando acaba de celebrar os seus noventa anos de vida, Francisco Coloane é hoje um dos maiores escritores do Chile e da América Latina, na mesma linhagem de Pablo Neruda ou Jorge Luís Borges, Ernesto Sábato ou Carlos Fuentes, Gabriel García Marquez ou Alejo Carpentier, Lezama Lima ou Miguel Astúrias. Filho de um baleeiro e capitão de barcos de cabotagenm, trabalhou em estâncias agrícolas na Terra do Fogo argentina e depois como jornalista, tendo-se estreado em 1941 com o livro de contos Cabo Hornos, em cujas histórias faz ressuscitar, com um admirável vigor de escrita, toda a expressão geográfica, social e humana dessas longínquas terras do Estreito de Magalhães e da mítica Patagónia, dando a conhecer rostos e lugares de gentes perdidas na sua estóica luta de sobrevivência, com todos os seus fetiches e fantasias. Pouco a pouco, Coloane criou uma obra literária de grandes registos humanos, por sempre ter sabido fixar nas suas páginas ficcionais a epopeia dos humildes chilenos e, através dessas histórias exemplares de heroísmos e aventuras, reinventar a ousada e terrível odisseia marítima de pessoas que no fio dos anos cumprem o que a vida lhes ensina ou faz conhecer. Mas o reconhecimento pela extrema qualidade literária dos livros de Coloane apenas chegou em 1964, quando recebeu o Prémio Nacional de Literatura do Chile e assim se abriu o caminho para a difusão da sua obra noutros quadrantes do mundo, em especial na Europa, que lhe dedica desde há anos grande atenção. O Caminho da Baleia, que acaba de ser publicado em Portugal, na sequência de outros livros de Coloane, como Terra do Fogo e Cabo Hornos, vem confirmar que, pela intenção sempre humanizada das histórias que narra e das figuras que retrata, gente de carne e osso com os seus sonhos e anseios, alegrias e fracassos, Francisco Coloane evoca através do mar que sempre o fascina e empolga essa mesma herança literária de um Melville ou de um Conrad quando nos fala das aventuras dolorosas e corajosas de homens em luta pela própria sobrevivência na caça à baleia ou do lobo marinho nas terras longínquas de uma Patagónia que se ergue sempre através das suas histórias como uma paisagem mítica ou fantástica pelas condições de vida ou pelos difíceis combates travados pelos homens no cansaço diário da existência. Por isso, é verdade que histórias como "A voz do vento", "O cavalo da aurora", "O Páramo", "Terra do fogo, "Cinco marinheiros e um ataúde verde" ou ainda "Terra de esquecimento" fazem de Francisco Coloane um prosador vigoroso que sabe aprofundar e valorizar os conflitos dos homens, a força da natureza e o sentido de solidariedade nas perdidas lonjuras de Punta Arenas e Chiloé. E assim se pode dizer com Luís Sepúlveda, que considera Coloane o seu mestre na arte de contar, que "ele defendeu e continua a defender, não por razões pseudo-morais que conduzem à comodidade do compromisso, mas porque sempre sentiu (os índios tehuelches, iaganes, onas e alacalufes) e continua a sentir homens como ele, habitantes do mesmo fim do mundo, irmãos da grande confraria austral". Porque no fim de contas, diz ainda Sepúlveda, "Coloane escrevia e escreve sobre aquilo que sabe, inventa as suas ficções com a rigorosa credibilidade de um cantor-poeta popular de passagem ou dos 'contadores de histórias', sempre bem-vindos nas solidões austrais". Mas se em Terra do Fogo ou Cabo Hornos as histórias se enquadram na valorização humana das pessoas e na retratação dos lugares distantes de um Chile que se redescobre a outra luz pelos contrastes físicos e sociais das paisagens da Terra do Fogo que Coloane reinventa ou transfigura em mitos de coragem e de luta em todos os seus limites, O Caminho da Baleia é um romance que se desdobra em dois planos: pela exposição pormenorizada das razões que condicionam ou seduzem os baleeiros na pesca do cachalote, através da própria mitologia do chilote, nas formas gregárias de vida, mesmo na retratação de lugares e paragens tão inóspitas. No segundo plano deste poderoso romance,o que chega à superfície é todo um mundo de sentimentos e saudades, lembranças e fantasmas reais perdidos na distância, mas em que se joga a força da vida nas relações pouco a pouco confirmadas de um pai e de um filho em busca da sua própria verdade. E tudo é dado por Coloane com uma extrema expressão na confirmada certeza de ser um grande escritor que sempre parte das cores e mitos, gentes e terras que bem conhece. Ora, é esse fascínio do que conta e sabe contar o que mais entusiasma nas histórias profundamente humanizadas dos seus livros e O Caminho da Baleia, agora à disposição dos leitores portugueses, é talvez um dos pontos altos da afirmação e capacidade literária de Francisco Coloane, um grande escritor chileno que importa conhecer. Serafim Ferreira Francisco Coloane O CAMINHO DA BALEIA, romance Tradução de Serafim Ferreira Ed. Teorema / Lisboa, 2000
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