Criação de recursos para apoio às mulheres; fomento de leis que protejam os seus direitos; garantia de igualdade entre sexos; eliminação dos sistemas tradicionais, culturais e sociais que as discriminam; acesso a informação adequada sobre planeamento familiar e saúde reprodutiva. Estas foram as principais exigências saídas do I Congresso da Mulher Timorense, que decorreu em Díli, entre 14 e 17 de Junho, e teve como pano de fundo a "Unidade e Diversidade". A iniciativa ? que tinha como objectivo a preparação de um conjunto de propostas sobre a condição das mulheres timorenses, a apresentar ao congresso do Conselho Nacional da Resistência Timorense (CNRT) previsto para Agosto ? reuniu cerca de 400 mulheres dos 13 distritos timorenses e mais de uma dezena de organizações. Em análise, estiveram as dificuldades com que as mulheres timorenses se deparam numa sociedade que permanece conservadora e machista. Uma realidade evidenciada pela coordenadora da iniciativa, logo na intervenção de abertura. Domingas Alves notou que, "após 450 anos do colonialismo português e 24 anos da ocupação militar indonésia", as mulheres timorenses tinham, pela primeira vez, a oportunidade de se reunir em congresso. Nascidas num sistema predominantemente patriarcal, as mulheres timorenses viram "os preconceitos" do colonialismo português e "a dominação colonial" reforçarem a desigualdade e a discriminação de que ainda hoje são alvo, continuou Domingas Alves, salientando que "as relações entre homem e mulher dentro do sistema patriarcal mantêm a mulher como ser inferior, tanto no aspecto físico como cultural. Como consequência, é negada à mulher a oportunidade de se tornar um membro activo da esfera pública". Por isso, segundo Domingas Alves, a independência de Timor Loro Sae "não é o fim da luta", mas "um meio que poderá permitir atingir a verdadeira aspiração: tornar o homem e a mulher timorenses verdadeiramente livres e autónomos". Uma das principais conclusões do congresso aponta para a criação de uma comissão específica, formada por representantes de todas as organizações femininas timorenses, que prepare uma plataforma comum a apresentar ao CNRT. E se o documento final aprovado aborda alguns sinais, a proposta das mulheres perspectiva-se mais abrangente, incluindo temas que têm sido tabu, alegadamente devido às pressões da Igreja Católica e à herança colonial e tradicional que molda a sociedade timorense. Em declarações à Agência Lusa, a vice-presidente da mesa do congresso, disse que, apesar de "algumas divergências saudáveis", a reunião constituiu a primeira oportunidade para debater assuntos que têm estado "esquecidos" ou sido "ignorados". Isto porque, segundo Olandina Caeiro, o poder da igreja não tem permitido que grande parte dos debates se realizem, com temas como a contracepção e os direitos das mulheres a serem ainda "muito polémicos". Para as mulheres de Timor Loro Sae, um dos principais problemas continua a ser a pobreza, uma vez que os homens beneficiam de mais oportunidades em termos de acesso a emprego e à educação, obrigando-as a permanecer sob o domínio das famílias ou a viver em condições bastante difíceis ? dados recolhidos e comunicados no congresso referem, por exemplo, que 64% dos iletrados timorenses são mulheres. Igualmente problemática é a falta de confiança que as mulheres continuam a depositar no sistema policial-judicial, particularmente em casos de violência doméstica ou de abuso sexual. Neste âmbito, o documento final do congresso refere que a maioria das violações "demonstram a falta de protecção que as mulheres têm na família". Para além de poligamia, as mulheres acusam os chefes tradicionais de tenderem a favorecer os homens em casos de conflito, não permitindo sequer que elas intervenham no ?adat?, um processo tradicional de resolução de disputas. Com discursos "paternalistas" e "conservadores" pronunciados na sessão de abertura, Xanana Gusmão e o padre José Martins (em representação da igreja timorense) desapontaram as participantes no congresso. Começando por criticar a escolha do tema do congresso, Xanana adoptou um discurso que, segundo a Agência Lusa, muitas das mulheres consideraram "cheio de obstáculos" às tentativas de emancipação feminina em Timor Loro Sae. Xanana Gusmão defendeu, nomeadamente, que a unidade timorense "nunca foi posta em causa" e advertiu que a diversidade poderá conduzir "a divisões entre o povo". Argumentos que as mulheres rejeitam, afirmando que existem "profundas divisões", com alas radicais e conservadoras, grupo rurais e urbanos e organizações de índole partidária a apresentarem problemas e soluções "bastante variados". Igualmente injustificável, para Xanana, é a queixa de que as mulheres não podem participar na vida pública e política. A verdade, porém, é que as mulheres timorenses, incluindo algumas que integram as estruturas superiores do CNRT, se queixam regularmente de discriminação e de falta de consulta ? a agência Lusa cita elementos do Conselho Consultivo Nacional que "tiveram medo" de fazer comentários ou apresentar sugestões directamente "aos homens", tendo-o feito através de mulheres estrangeiras, que "eles são forçados a aceitar"... Quanto ao jesuíta português José Martins, que substituiu o bispo Basílio do Nascimento, centrou a sua intervenção no evangelho e em citações de João Paulo II, acentuando a necessidade de reforçar o papel tradicional da mulher, "que deve estar em casa a dar carinho à família". Igualmente polémica, numa altura em que cada vez mais mulheres exigem o acesso ao planeamento familiar, foi a referência biblíca "crescei e multiplicai-vos". Desapontada com as duas intervenções, Domingas Alves diz que os discursos apenas provam "os obstáculos com que se depara" a mulher em Timor Loro Sae. Afirmando que Xanana Gusmão se pautou pela "demagogia e pelo abstracto", questiona: "Se ele, que é um intelectual, põe obstáculos, o que fará um homem rural?". As críticas ao líder timorense surgiram especialmente depois de Xanana Gusmão não ter respondido "como era esperado" a algumas perguntas mais polémicas. Uma das participantes quis saber, por exemplo, "o que é isso de igualdade e respeito pelos direitos humanos? É que eu sou mulher e não vejo nem sinto nada disso no dia-a-dia". Outra questionou-o sobre o motivo por que o CNRT não inclui um departamento próprio para os assuntos das mulheres, ao que Xanana respondeu que "um departamento para as mulheres não é importante".
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