A Educação Pré-escolar tem vivido, nos últimos 4 anos, um novo período da sua existência de 23 anos enquanto sector da Educação assumido pelo Ministério da Educação e com uma rede pública de jardins de Infância. Justifica-se, pois, o lançamento de algumas questões que alimentem o debate sobre um segmento do Sistema Educativo que tem sido, muitas vezes, fonte para bonitos discursos políticos e promessas eleitoralistas sem tradução em medidas de fundo que afirmem uma aposta séria na Educação Pré-escolar. Para melhor se compreender esta problemática e os seus constrangimentos, precisamos conhecer um pouco da sua história, particularmente durante o período do Estado Novo e as profundas alterações e inovações que a Revolução de Abril proporcionou. As raízes Com raízes no final do Séc. XVIII, a moralização das práticas sociais e educativas e a modelagem do comportamento das crianças tornou-se progressivamente numa tarefa de grande importância social. A "ideologia da maternidade" (Vilarinho,00) que o Estado Novo levou ao extremo e que situou o modelo de "boa mulher" em ser boa esposa, boa mãe e boa dona de casa, inscrevia-se numa política de aposta na Família (um dos vértices do triângulo que sustentou o Salazarismo: Deus-Pátria-Família) e originou o aparecimento de novos agentes de assistência e apoio maternal. O Estado, com a ajuda de várias sociedades filantrópicas que surgiram, levou por diante a tarefa de apoiar, através da educação, as famílias mais desvalidas, sob a nova matriz ideológica de reeducação da sociedade portuguesa, desenvolvendo-se assim novos mecanismos de controle, vigilância e inculcação da ideologia dominante. Surgiram deste modo muitas instituições de cariz assistencial e de carácter moralizador, que faziam tábua rasa dos contextos das crianças originando novas formas de violência (não apenas psicológica) sobre elas. Paralelamente, e acompanhando as ideias para a educação e formação das elites, surgiram alguns jardins de infância particulares, cujo enfoque era já a introdução às aprendizagns que a sua classe social exigia. Na década de 50 surgiram também as duas primeiras escolas particulares de educadoras de infância, nascidas de movimentos católicos onde o espírito de missão e apostolado são elementos fundamentais de formação. Não é difícil imaginar que o público - mulheres - destas escolas fosse proveniente da burguesia endinheirada e com prestígio o que contribuía para o elitismo social da profissão de educadora de infância. Nos anos 60 e 70, o fluxo de migração das aldeias para as cidades e o aumento da taxa de trabalho feminino, consequência de variadas alterações sociais, leva a uma procura cada vez maior dos serviços para a infância, verificando-se assim uma expansão das creches e jardins de Infância de natureza privada e assistencial. O que então se priveligiava era a guarda das crianças, em detrimento de preocupações pedagógicas ou de respeito pela individualidade das crianças, caracteristíca que ainda hoje pesa nas instituições privadas de solidariedade social. Ligação a Abril O 25 de Abril de 1974 trouxe à sociedade portuguesa a força que permitiu, nas diversas áreas, vivenciar e produzir alterações a um ritmo acelerado, iluminadas dos mais puros ideias da liberdade, da democracia e da igualdade. Por todo o país emergem creches e jardins de infância de iniciativa popular, em condições precárias e sem pessoal especializado. Alguns destes espaços vieram a ser integrados pelos diversos ministérios ou autarquias e outros não sobreviveram muito tempo, tendo-se extinguido. Sob os nobres ideais da Revolução, é criada em 1977 a Rede Pública de Educação Pré-escolar que originou um período de grande expansão do sector absorvendo todos os educadores de infância das Escolas Normais de Educadores de Infância (criadas também neste período) e todo um movimento popular de criação e de participação na vida destes novos jardins de Infância. Altera-se assim, drasticamente, o perfil do grupo das educadores de infância, sendo agora em muito maior número, de origens sociais diversas e até com alguns educadores homens. A rede que agora emerge é palco de dinâmicas e inovação extraordinárias, sem ficar refém de inércias ou hábitos instalados. No entanto, as outras redes persistem e expandem-se também, pois a procura continua, embora persistam diferenças profundas entre elas, quer ao nível da qualidade pedagógica, quer nas condições de trabalho e nos salários. As redes estão distribuídas por vários Ministérios e a Educação Pré-Escolar chega a 1995 como uma manta onde cada retalho tem o seu desenho e as suas regras. A Rede Pública, por sua vez, se inicialmente beneficiou de um período de expansão, também sofreu o efeito contrário com o período de estagnação que ocorreu de 1988 a 1995, período em que nenhum jardim de infância foi criado oficialmente, apesar do sector ter sido integrada no sistema educativo através da Lei de Bases aprovada em 1986. Neste período os educadores de infância (que as Escolas continuavam a formar) conheceram o desemprego e a exploração infame de muitos estabelecimentos privados, sobretudo das IPSS?S. Os dirigentes destas instituições recusaram-se sempre a encarar a profissão de educador de Infância com a dignidade e a importância de uma profissão docente. O Ministério da Educação, dando cumprimento à política do governo Cavaco Silva, não só não combateu o caos instalado neste sector como o alimentou pela inércia, pela política de apoio à iniciativa privada, pela ausência de fiscalização. Na Rede Pública assistiu-se à degradação de muitos jardins de infância, alguns dos quais instalados definitivamente nas instalações provisórias e sem quaisquer condições em que nasceram. Tudo isto criou um sentimento de descontentamento e desmotivação crescente na profissão que acompanha o sentimento da classe docente na sua globalidade. Os educadores de Infância são colocados progressivamente perante a existência de dificuldades objectivas. tal como acontece com todos os outros professores. Não espanta que a motivação, a implicação e o esforço diminuam. Esta insatisfação (traço, muitas vezes único, dos elementos de identificação dos educadores de infãncia) terá ainda um peso maior quando potenciada pelo isolamento, pela instabilidade e pelo abandono. Bandeira política O Governo socialista que sucedeu ao Governo do Partido Social Democrata em finais de 1995, incorporou no seu discurso a Educação Pré-escolar como uma das suas prioridades, fruto da reclamação que o movimento sindical e social vinha fazendo. A publicação de algumas centenas de portarias de jardim de infância, a publicação da Lei quadro da Educação Pré-escolar que institui uma rede Nacional que engloba todos os estabelecimentos e os coloca sob a dependência do Ministério da Educação assim como a publicação das Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar, foram medidas que pretenderam tornar consequentes as promessas e pôr cobro ao descontrolo que o Ministério tinha sobre as outras redes, numa tentativa de dar unidade e coerência ao sector, considerado a 1ª etapa da Educação básica. Mas cedo terminou a paixão tão anunciada. A euforia legislativa não foi acompanhada das medidas e dos investimentos de fundo que permitissem recuperar o atraso que se verificava. As percentagens de cobertura da rede que o governo anunciou, ainda não estão conseguidas. Os prazos previstos na Lei Quadro para equiparar o estatuto da educadores de infância da IPSS's às da Rede Pública, há muito que expiraram, apesar de já nos termos habituado a ouvir promessas dos seus dirigentes, sem que o governo se revele capaz de fazer cumprir a Lei aprovada na Assembleia da República. A gratuitidade da componenete lectiva decretada pelo governo, inicialmente para os 5 anos (88/89) e progressivamente para restantes anos, não passou de um expediente para reforçar o financiamento ao privado, sem que a medida tivesse contribuído para proporcionar efectivamente o direito de acesso e sucesso de todas as crianças. Na verdade, as crianças que estão no privado ou nas IPSS's não viram reduzido o pagamento das mensalidades e a Rede Pública continua sem uma oferta generalizada. Por outro lado, tendo sido alterada, em 1997, a Lei de Bases do Sistema Educativo, no sentido de uniformizar a formação de todos os docentes ao nível da licenciatura, o governo ainda não conseguiu proporcionar condições para que todos os educadores e professores sem esta formação a possam complementar, através dos complementos de formação como a própria Lei prevê. Além destas preocupações, hoje, outras questões estão em cima da mesa quando se debate a questão da Educação pré-escolar. Será necessário dar a este sector o carácter de obrigatoriedade para que o governo e as próprias famílias encarem a frequência das crianças como uma condição importante na sua formação básica? Quais as consequências de uma tal medida do ponto de vista concepcional? Como deve a Rede Pública de jardins de infância, desde sempre vocacionada para responder mais às necessidades pedagógicas das crianças, evoluir para dar uma melhor resposta social às famílias, tendo em conta as profundas alterações sociais e ritmos de vida? E estando em curso uma nova organização administrativa das escolas, que aposta nas áreas escolares englobando todos os ciclos de educação e ensino, não deverão estas respostas ser encontradas de forma transversal e abrangente? Que medidas e estratégias deverão ser accionadas para que as Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar permitam, de facto, uma maior afirmação deste nível de educação em articulação com o 1º ciclo, constituindo uma referência para todos os educadores, independentemente da natureza do estabelecimento em que exercem a sua actividade, não sendo ignoradas por uns e transformadas em programas por outros? Estas são algumas questões que têm necessariamente que ser tidas em conta neste debate àcerca de um nível de educação sobre o qual muito se tem falado nos últimos tempos mas muito pouco se tem discutido verdadeiramente. Questões cujas respostas confirmarão, ou não, se a Educação Pré-Escolar é, ou não, uma paixão esquecida. Maria Natália Dias Educadora de Infância, dirigente do SPN e da Fenprof
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