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Mais, Muito Mais do que Só Escolas

Este é o último editorial do ano lectivo de 1999/2000. Possivelmente serão poucos os leitores ainda com paciência para ler coisas sobre educação. Ainda assim parece-me que conviria ? não em jeito de balanço que é coisa pesada ? deixar algumas notas sobre duas ou três tendências dominantes no ano lectivo que agora termina.

A AUTONOMIA DAS ESCOLAS e do exercício profissional alimentou o discurso retórico da administração do sistema. A estrutura centralizadora do Ministério da Educação e dos seus tentáculos regionais, não sofreu nenhuma alteração. O poder da dona Lei, do senhor Decreto, do senhor parágrafo e da menina alínea, manteve-se como é da tradição. O senhor despacho trabalhou com abundância e a propósito de tudo e de nada. Os especialistas que dominam o aparelho continuaram a interpretar "o que está na lei". Este tradicional domínio da burocracia governamental parece ter agora companhia. O "novo" modelo de direcção e gestão das escolas parece estar a gerar uma nova burocracia, está implantada no interior e no "governo" das escolas. "Não sirvas a quem serviu, nem peças a quem pediu", diz o povo. Convém estar atento aos pequenos poderes. Atentos ao autoritarismo crescente nas nossas escolas.

A QUALIDADE DA APRENDIZAGEM DOS ALUNOS continuou em queda livre. É difícil esconder o incómodo, a frustração, o desagrado, o mal-estar que esta perda de qualidade provoca nos docentes, em particular nos profissionalmente mais experientes e responsáveis. O mal-estar docente, o fascínio pela urgência da chegada da reforma, também passa por aqui. É necessário ultrapassar o discurso retórico sobre a qualidade do ensino. Já não é suportável. Já não se aguenta responder a este problema com o voluntarismo pedagógico e com o experimentalismo de mais "coisas giras" e "originais". Já não se suporta a simulação da resposta aos problemas realmente existentes com o discurso das novas tecnologias ou com a falácia da Internet e dos CD-rom. A maioria esmagadora dos estabelecimentos da educação Pré-Escolar e do 1º ciclo não passaram sequer pela era do telefone e do fax. Como tem dito o José Pacheco, as crianças do 1º ciclo continuam a não ter direito a estômago. (?) Temos ainda tanta coisa básica para resolver e fazer, que o discurso sobre as virtualidades da Net e da "sociedade do conhecimento", correm o risco de terem de ser consideradas imbecis e criminosas. Quem governa a educação tem, no mínimo, de reconhecer alguns dos problemas que ainda caracterizam a sociedade portuguesa, analfabetismo, baixíssimos salários, longos horários de trabalho, péssimos transportes públicos, baixo índice de escolaridade, quase ausência de formação profissional ? pesem embora as altas verbas distribuídas a pretexto desta modalidade de formação ?, baixa escolaridade e formação dos empresários, isolamento do ensino superior e da investigação em relação à sociedade portuguesa.
(?) Perceba o senhor ministro que estes e outros problemas não se resolvem com uma visita à Internet. Resolvem com tempo, seriedade na análise dos problemas e com a colaboração calma, persistente e empenhada de todos.

A FORMAÇÃO INICIAL DOS DOCENTES continua ao sabor dos desejos e necessidades das instituições de ensino superior e, por vezes, de muitos colegas que ali trabalham. Esta é uma área em que ? dada a natureza da forma de recrutamento, de contratação e a ausência de controlo na entrada da profissão ? nem as miseráveis leis do mercado funcionam. Continua a poder-se ter acesso à profissão docente, com ou sem habilitações para a profissão. Noutros casos, o acesso não depende da qualidade e adequação da formação inicial. Basta que alguém passe um certificado ou diploma.
Esperamos que o próximo ano lectivo se diga, claramente, que o ensino não é uma das almofadas do desemprego academicamente mais qualificado.
Resolva-se rapidamente o problema de quem já está na profissão. Garanta-se o trabalho a quem já exerce. Os novos candidatos ao exercício da profissão, ou são docentes profissionalizados, que deverão ter acesso a um quadro que permita a sua integração profissional acompanhada, ou possuem habilitação científica mas não profissionall e , neste caso, devem poder poder aceder a estagios com a garantia de, uma vez aprovados, terem acesso a um quadro que garanta a estabilidade profissional.
A formação inicial, as condições de acesso à profissão, a adequação da formação ao desempenho profissional ? é preciso rever a legislação sobre quadros e concursos ? são questões a encarar globalmente e com urgência. Ser professor é como estar grávida, ou se é ou não se é, ou se está ou não se está. Não há lugar a meio termo. Não há professores de habilitação suficiente, insuficiente, de primeira escolha ou de segunda ou terceira escolha. Deixem os engenheiros de moda vestir as (os) modelos, não as (os) ponham a "dar" matemática, só porque têm no diploma a designação de engenheiro.

A INDISCIPLINA E A VIOLÊNCIA na escola começou a ser um facto mais notado no ano lectivo que agora termina. Como a sociedade portuguesa não se vai afastar do modelo de desenvolvimento globalmente instituído, os actos de indisciplina e de violência jovem tenderão a aumentar na sociedade e na escola portuguesa. Tenderá também a ter um maior peso social porque esta temática interessa aos órgãos de comunicação social mais poderosos. Convém ? nesta como noutras problemáticas ? não esquecer que o mensageiro continua a ser determinante para creditar a informação. Estamos cada vez mais dependentes dos processos de produção da informação e das escolhas editoriais. A indisciplina e a violência juvenil vende bem. Os meios de comunicação mais poderosos são consultados por um vasto grupo de consumidores fieis, e são hoje, meios de referência porque são os meios de comunicação respeitados em simultâneo pela classe política, económica e intelectual dominante, ou seja órgãos aos quais as classes dominantes seguem porque a eles acedem e neles falam ou escrevem.
A indisciplina, que convém distinguir de violência, é um fenómeno que incomodou e preocupou durante o ano a generalidade dos professores. Sabemos que na sua origem estão várias razões. Uma delas é seguramente o facto de os nossos alunos e os pais dos nossos alunos terem cada vez mais uma consciência de consumidores e cada vez menos consciência de cidadania.

UMA POLÍTICA CARACTERIZADA PELA AUSÊNCIA DE POLÍTICA. É a política que está a ser posta em prática, de um modo geral, pelo Ministério da Educação. Vão gerindo o imediato. Construindo respostas verbais e optimistas a problemas que exigem a criação e desenvolvimento de novos modos de pensar, de organizar e de trabalhar. Vão aplicando ideias e conceitos na moda em reuniões, seminários e congressos nacionais e internacionais. No discurso e nos actos fazem o possível por estar na moda e gerir a moda pedagógica. Mais do que buscar as condições necessárias ao ensino e à educação, vão respondendo à ansiedade dos pais agora transformados em consumidores da coisa educativa.

QUANTO AOS PAIS E ALUNOS são entidades heterogéneas. Perante o discurso sobre "os pais nas escolas" apetece lembrar que há pais e pais e alunos e alunos. Alguns pais dedicam uma boa parte do seu tempo à escola. Em comunidades cultural e socialmente desestruturadas e desertificadas, é pena que não se dediquem a fazer alguma coisa fora da escola. Não seria mau se no próximo ano todos, incluindo os pais, entendessem que a escola não é a resposta para tudo. A escola não pode ser o espaço concentracionário, mesmo que ele seja asseado, tenha pátio para o exercício físico, trabalhos manuais e Internet. Prisão é prisão. As escolas não são a resposta para tudo. Têm finalidades que importa conhecer e respeitar. Jovens e adultos precisam de ter nas suas comunidades mais, muito mais do que escolas.

José Paulo Serralheiro


  
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Edição:

N.º 93
Ano 9, Julho 2000

Autoria:

José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.
José Paulo Serralheiro
Professor e Jornalista. Director do Jornal a Página da Educação.

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