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Mankiewicz: Sempre Mais Longe

A 12 de Março de 1951, Joe Mankiewicz dizia na "Life" que "o segredo da universalidade dos filmes americanos vem de que eles são conseguidos para ter como destino um nível mental de 12 anos" (eu disse em 1951).
"Deus quis que Los Angeles fosse um deserto e a sua existência como cidade é um desafio à sua vontade" ironizou ainda, antes de falar do "nevoeiro intelectual que cobre a região".
Por mais violentas que sejam, estas declarações não traduziam uma recente tomada de consciência da natureza de Hollywood e da vida na Califórnia, nem uma qualquer mudança de opinião. Elas criticam abertamente o carácter conflitual das relações entre Joe Mankiewicz e Hollywood. A obra do realizador faz eco deste antagonismo, verdadeira prova de força de quase meio século.
Para a família Mankiewicz como para a maior parte dos intelectuais americanos do fim dos anos 20, o cinema aparentava-se com uma actividade culturalmente miserável. Hollywood não era mais do que o sinónimo de dinheiro fácil, rápido e vergonhosamente ganho. Em 1929, Joe Mankiewicz, que tinha 20 anos e voltava de uma estadia infeliz na Europa, não podia senão apoiar as concepções do seu irmão Herman, espírito brilhante, reconhecido nos meios culturais e jornalísticos, e que se tinha alistado na Paramount, como autor de intertítulos e posteriormente argumentista. À imagem do modelo que era para ele Herman, Joe não tardou a divertir-se com a estupidez e incultura dos dirigentes dos estúdios. No mesmo sentido, o exemplo de Herman, que tinha escrito, sem sucesso, para o teatro, permitia-lhe concluir como evidente "a superioridade" do teatro sobre o cinema.
Logo que se torna produtor na MGM, Mankiewicz teve, além da sua inteligência, um outro argumento para se fazer notar: a precocidade. A impertinência tornou-se uma das suas armas favoritas, que lhe permitiu reforçar a imagem de intelectual longínquo que tinha adquirido em Hollywood. Foi nessa altura que se armou de um reportório de anedotas no qual se iria apoiar até ao fim dos seus dias. Uma das quais era que o "slogan" da Metro era originalmente "Mais Estrelas do que no Firmamento" mas que foi necessário trocar firmamento por céu, porque Nicholas Schenk, o grande patrão da "major", julgava que "firmamento" era uma marca de laxativo...
Argumentista credenciado, Mankiewicz adoptou sem arrependimentos o papel de produtor. Não tardou a zangar-se com Fritz Lang durante a rodagem e montagem de "Fury", e atirou-se ao ar com a "América intelectual" por terem ousado reescrever os diálogos de Fitzgerald para "Três Camaradas". Na ocorrência, não se tratava de assegurar uma autoridade que a sua função lhe dava, mas de produzir os melhores filmes possíveis, o que, podia levá-lo a ir contra os desejos dos seus superiores:
Louis B.Mayer aceitou produzir "Fury" para lhe provar que o filme ia ser um sucesso de crítica e um desastre comercial (e foi-o).
Numa ocasião, pelo menos, Mankiewicz entregou a sua demissão para defender a integridade do filme que produziu fosse respeitada: temendo perder o mercado alemão, Mayer estava disposto a seguir as recomendações da Embaixada Alemã, que desejava que os militantes nazis de "Três Camaradas" fossem substituídos por comunistas. A segunda vez que ele se opôs abertamente a Mayer foi quando este criticou a relação que mantinha com Judy Garland, e disse-lhe que a Metro se tinha tornado demasiado pequena para os dois... e demitiu-se.
Foi recebido de braços abertos na Fox, com o contrato que permitia produzir, escrever e realizar os filmes que ele próprio escolhesse. Com 34 anos, Joe Mankiewicz, podia, mais do que nunca, crer-se mais forte do que Hollywood.
O resto... já é outra história.

P.S. - No JN de 12 de Abril p.p. António Pedro Vasconcelos disse:
"A intervenção política na área do cinema é feita numa perspectiva cultural. Mas deveria ser feita a partir do Ministério da Economia". Bravo Pina Moura depois da Economia e das Finanças só te faltava a pasta do Cinema!!!
Haja... qualquer coisa !!!!!

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares do Reis / Porto


  
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Edição:

N.º 91
Ano 9, Maio 2000

Autoria:

Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto
Paulo Teixeira de Sousa
Escola Secundária Especializada de Ensino Artístico de Soares dos Reis, Porto

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