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Assembleias de escola: Uma Semente de Participação Democrática

Criadas no âmbito do regime de autonomia, administração e gestão dos estabelecimentos da educação pré-escolar e dos ensinos básico e secundário, as assembleia de escola - a par com o conselho executivo, o conselho pedagógico e o conselho administrativo - é um dos quatro novos órgãos que passaram a assegurar o funcionamento interno das escolas. A ela lhe compete definir as linhas orientadoras da actividade da escola e, enquanto órgão de participação e representação da comunidade educativa, deve salvaguardar na sua composição a participação de representantes dos docentes, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, do pessoal não docente e da autarquia local.
Feita a apresentação genérica, como a encaram os participantes? Que virtudes e defeitos vêem nela? Que melhorias podem ser introduzidas? Estas algumas das questões a que a reportagem da Página tenta responder, partindo de conversas recolhidas em quatro escolas do Grande Porto.
"Penso ser ainda cedo para fazer uma avaliação exacta do novo modelo de gestão e do funcionamento das assembleias". A opinião é de Rafael Tormenta - professor de português na escola secundária de Oliveira do Douro, em Gaia, e presidente da assembleia - e expressa a generalidade das opiniões manifestadas.
Escolas que iniciaram a aplicação do novo modelo de gestão há pouco tempo, algumas há menos de uma ano, e, de certo modo, diz, os diferentes elementos estão ainda numa "fase de descoberta" do respectivo protaganismo, sejam eles pais, alunos, autarquias ou professores.
No entanto, considera que o receio inicial de estas funcionarem como um órgão de controlo do trabalho dos professores saiu gorado. Nesse sentido, garante, "elas estão a ser entendidas como um espaço de corresponsabilização do processo educativo com os restantes agentes da comunidade educativa".
Por outro lado, em muitos casos, ela é conhecida, mas não reconhecida como interlocutora pelas próprias direcções regionais de educação. "No caso da nossa escola, e imagino que isso aconteça com outras, nunca houve qualquer contacto da DREN com os representantes da assembleia". Esta atitude estende-se igualmente à autarquia - que delega o seu poder na junta de freguesia local -, mas que, ao promover assembleias locais de educação, mesmo enquanto órgão consultivo, remete habitualmente o convite para o conselho executivo e não para a assembleia de escola, quando é esta que, na realidade, representa a comunidade educativa.
Licínio Aguiar, presidente da Assembleia de escola da EB 2,3 de Baguim do Monte, é da mesma opinião. "Como é mecanismo recente, talvez seja um pouco cedo para se fazer uma apreciação definitiva".
Apesar disso, identifica algumas falhas, nomeadamente a inexistência de um secretariado de apoio. "A Assembleia deve ser um órgão completamente independente, atento, fiscalizador e crítico, mas devia ter um secretariado de apoio permanente para poder ouvir e ser informada. Se assim não for, temo que ela acabará por funcionar como um mero órgão ratificador das decisões do conselho executivo".
Como principal mérito, ambos assumem o facto de ser um órgão que, embora não implicado no processo executivo, pode estar atento e ter uma posição crítica construtiva, representando, num mesmo espaço, todos os elementos da comunidade educativa.
É o caso dos encarregados de educação, pela primeira vez representados oficialmente num órgão de decisão da escola, com direito a voto. Anteriormente, dispunham de assento no conselho pedagógico, mas não partilhavam de um poder efectivo. "Afinal, o que valia um voto no meio de mais de duas dezenas de membros?", questiona-se Fernando Campos, presidente da assembleia da associação de pais da escola secundária de Ermesinde e um dois encarregados de educação representados na Assembleia de Escola.
Ainda assim, garante, em muitas delas "os pais continuam a ser vistos como "intrusos". "Alguns professores chegam mesmo a pensar que os pais não estão por dentro da realidade da escola e que só lá vão para imiscuir-se nos seus assuntos". Por este motivo, a sua criação foi uma medida "extremamente positiva", dando uma oportunidade para demonstrar que os pais estão interessados em participar na vida da escola de uma forma construtiva.
Além disso, refere ainda, a actuação do conselho directivo, por ser um órgão directamente eleito pelos professores, estava naturalmente condicionada. "Não podia ser um órgão completamente independente", opina Campos. Agora, apesar de o conselho executivo ser constituído por três professores, está sob a tutela de uma assembleia mais representativa, com a vantagem de poder ser destituído.
"Os professores sabem que os pais podem movimentar-se mais à vontade e influir nas decisões das escola, nomeadamente neste capítulo. É uma forma de equilibrar os poderes", conclui, considerando também que esta lei só peca por um motivo: não ter sido implementada mais cedo. "Provavelmente o funcionamento das escolas era hoje melhor".
O entendimento entre os diferentes representantes, diz, tem sido "óptimo". "Até agora não houve necessidade de votação porque tem existido sempre consenso entre as partes, mostrando que os professores sentem os problemas da mesma forma que os encarregados de educação".
Apesar de considerar que, de uma forma geral, os pais estão cada vez mais conscientes do seu papel na escola, a maioria continua a não participar activamente nos seus destinos. Numa escola com uma população escolar perto dos dois milhares de alunos - apesar de estar prevista para um máximo de 1500 - costumam aparecer nas reuniões "trinta, no máximo quarenta pais". "Costumo dizer, com alguma mágoa, que alguns deles não devem gostar dos filhos, porque de contrário acompanhariam mais de perto o seu percurso e envolver-se-iam nas decisões que os afectam".
O mesmo sucede na EB 2,3 de Baguim do Monte, que funciona como sede de um agrupamento de escolas. "Nas duas primeiras reuniões da assembleia, apenas um dos quatro representantes dos encarregados de educação compareceu", lamenta Licínio Aguiar.

"Uma ?seca?? Não, até gosto..."

E os alunos? O que pensam desta nova forma de participação na vida escolar? A avaliar pelas palavras do Paulo Araújo, treze anos e aluno do 9º ano da EB 2,3 Maria Lamas, no Porto, parece estar a ser bem encarada.
Apesar de ainda não ter a "certeza absoluta", o Paulo quer seguir direito para se tornar advogado e, depois, juiz. "Vamos lá ver se consigo". Não faz ideia porque razão confiaram nele os colegas para os representar, um facto que, confessa o próprio, deixou-o "surpreendido". "Não contavanada, mas eles elegeram-me e tive de me ir habituando à ideia".
"Os professores e os colegas já me perguntaram se eu achava uma "seca" participar nas reuniões, mas eu acho que não. Até é fixe...". Apesar deste entusiasmo, reconhece que, por vezes, as reuniões "demoram muito tempo", chegando a durar mais de três horas. "Por sorte tem calhado em alturas que não tenho testes, porque, de contrário tinha de sair mais cedo para estudar."
Nas reuniões fala-se sempre sobre "muitas coisas": o plano de actividades, os vidros partidos, os roubos no interior e no exterior da escola, entre outros temas que agora não se recorda. Quando os assuntos são mais complicados, abstém-se, por não compreendê-los. É o caso da aprovação das contas da escola, por exemplo. "Aí só falou uma senhora, que é a que faz as contas. No final concordei porque vi que ela sabia o que fazia...".
Às vezes, conversa com os colegas sobre as reuniões. Não diz tudo o que se passa, claro, porque algumas matérias são "particulares". Mas sabe em geral do que se fala e está completamente à vontade, reconhecendo a responsabilidade do cargo para o qual foi nomeado: "ser delegado ou sub-delegado de turma é uma coisa, mas representante dos alunos num conselho alargado já exige outro grau de responsabilidade".
Acima de tudo, a criação da Assembleia de Escola foi positiva porque os alunos têm agora um espaço onde podem falar e apresentar os seus problemas. "Não voto, mas posso dizer o que penso". Acha importante que os alunos possam dar a sua opinião, sobretudo porque ela não é exclusiva dos professores e do conselho directivo. "Às vezes os professores não sabem o que os alunos pensam..."
Quanto aos funcionários não docentes, a opinião também parece ser positiva. O nível de participação, porém- talvez em grande medida, tal como já foi referido, por este ser um órgão relativamente recente -, ainda se encontra aquém do esperado.
"Fui eleita porque ninguém queria assumir o cargo. Toda a gente reivindica, mas quando chega a altura ninguém quer assumir posições de responsabilidade", afirma Conceição Lobão, 31 anos, uma das duas representantes dos funcionários não docentes da Maria Lamas.
Na sua opinião, as assembleias vieram trazer uma "maior organização à escola", nomeadamente a nível do projecto educativo. Além disso, diz, é necessária para que os funcionários tenham acesso à informação que lhes diz directamente respeito, porque muitas vezes há alterações legais que não chegam ao seu conhecimento.
Nesse sentido, uma das reivindicações deste grupo foi a realização de acções de formação para os auxiliares de acção educativa, que, na opinião de Lobão, não correspondem, na generalidade, às exigências das suas funções. Nesta escola, por exemplo, não há nenhum funcionário que tenha concluído a escolaridade básica. Ela e mais duas colegas são a excepção, frequentando actualmente o 10º e o 11º ano do ensino recorrente.
Embora os pais "também tenham direito a fazer parte da comunidade educativa", reconhece que, por vezes, desconhecem quase por completo a realidade da escola. Também por este motivo, aplaude a sua instituição. É uma forma, diz, não só de os pais se inteirarem melhor dos problemas da escola, mas também dos jovens e adultos conviverem mais de perto e terem consciência, em conjunto, do que é preciso corrigir.
Opinião consensual é o facto de a Assembleia de Escola poder representar o princípio de uma verdadeira cultura de participação democrática. Apesar disso, em algumas escolas, reconhece Rafael Tormenta, tem-se verificado "alguma turbulência" porque "as pessoas exigem demais umas das outras e não permitem espaços de aprendizagem comuns". Havendo três órgãos de gestão, é por isso necessário que, acima de tudo, subsista uma cultura de convivência democrática. "Nem o presidente da assembleia pode andar a controlar o trabalho do conselho executivo, nem este pode querer continuar a exercer as mesmas funções de presidente do conselho directivo. Se os diferentes elementos não assumirem esta postura, pode tornar-se complicado".

Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 91
Ano 9, Maio 2000

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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