A propósito do livro Versos com Reversos de João Pedro Messeder, já afirmámos nestas colunas que nas variadas formas de escrever poesia para crianças, o que mais conta é a arte de se aproximar dos seus próprios jogos de sons, imagens e palavras, como forma de descobrir outros mundos ou dar a conhecer o verso e reverso de todas as coisas. Ora, é isso que faz Antero Monteiro neste livro de estreia dedicado a todos os seus alunos e a todos os seus colegas, com interessantes desenhos ilustrativos de Sara Príncipe. Nos propósitos pedagógicos que se pressentem nos poemas de A Lia que Lia Lia, o que importa pôr em relevo é o sentido poético e didáctico de brincar com as palavras e por aí falar do que existe, está diante dos olhos e se pode entender na expressividade imediata da palavra ou da rima: Minha boa amiga Lia / muito lia muito lia / Lia de noite e de dia / lia lia lia lia / Lia tudo o que queria / Zoologia Geologia / lia até Psicologia / livros de Filosofia / mapas de Geografia / temas de Pedagogia". E por aí se conhece e reconhece que a intenção do autor é, sobretudo, a de expor uma "teoria do conhecimento" ao alcance dos leitores mais jovens, e ao mesmo tempo apelar ao gosto pela leitura ou descoberta de outros mundos ou para falar a rimar de outros seres (centopeias, crocodilos, gaivotas, carneiros, ovelhas) e ainda, no recurso a um certo fabulário popular, encontrar o seu modo próprio de uma renovada lengalenga que estimule o conhecimento ou a emoção de outros sentimentos: "Tão balalão / morreu o Simão / Ficou impassível / deitado no chão / os olhos fechados / sem respiração / as mãos apertando / o seu coração". Mas, nesta forma de uma "gramática a rimar", como já o fizera José Alberto Marques, também professor do ensino secundário perdido lá pelas bandas de Abrantes, embora com outros recursos poéticos, Antero Monteiro revela aos seus pequenos leitores uma certa oralidade em descobrir ou levar a descobrir o sentido e a forma do que pretende invocar ou ensinar, lembrar ou fazer dizer em voz alta, porque ler o que se lê, como Lia faz e fazia, é ainda esse modo directo e incisivo de dar a conhecer o mundo, as pessoas e as coisas pelo lado mais imediatista ou objectivo da realidade que nos envolve ou transpor noutro plano, numa carga metafórica digna de registo, a visão de outras situações ou registos de um cancioneiro camoniano: "Descalça vai para a fonte / Leonor pela verdura / Vai formosa e não segura / Leva a bilha na cabeça / pra despistar e mais nada / Tem água canalizada / e nem é que lhe apeteça / Sua sede não é essa / É de amor - e não tem cura! / Vai formosa e não segura". Portanto, neste imaginário de intenção bem didáctica, Antero Monteiro evidencia uma certa ingenuidade ou facilidade vocabular, que é aceitável num primeiro livro, mas no modo de tudo explicar com a preocupação de ocupar esse imaginário pelo seu experimentado ofício de ensinar, o que é de relevar neste A Lia que Lia Lia é, sobretudo, a atitude de saber utilizar as palavras e tecer com elas outros sonhos no espírito dos pequenos leitores e, ainda na evocação de Duarte Nunes de Lião, fazer compreender que "antigo dito é que muitos mais são os negócios que os vocábulos e, como os conceitos dos homens são infinitos e as palavras finitas , necessariamente as inventamos ou buscamos ou tomamos emprestadas de outras gentes". Saudamos, pois, com entusiasmo a estreia poética de Antero Monteiro e ficamos na expectativa de outros livros, que confirmem as qualidades agora evidenciadas e bem justificam o sentido desta nota para que o livro não passe sem um registo crítico. Serafim Ferreira Crítico Literário Antero Monteiro A LIA QUE LIA LIA Ilustrações de Sara Príncipe Elefante Editores / Espinho, 1999.
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