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Quatro Olhares Sobre a Escola: Quatro Professores em Entrevista

Este mês, ao contrário do que é habitual, a entrevista é desenrolada a quatro vozes. Quatro professores, participantes no último congresso do Sindicato dos Professores do Norte, realizado nos finais de Março, no Coliseu do Porto, que nos contam as suas experiências, as dificuldades sentidas nas escolas e os seus pontos de vista sobre o sistema educativo. Uma viagem pelo país real.


1974 foi uma época muito bonita

Jorge Manuel Pinto é professor de Educação Visual e Tecnológica na Escola Básica 2,3 de Paços de Ferreira. Iniciou a sua carreira de professor em 1974, uma altura que recorda com boa memória. "Foi uma época muito bonita. Apesar das dificuldades que vivíamos serem maiores do que hoje, sentíamos esperança no futuro e acreditávamos que podíamos mudar as coisas". Ao longo dos últimos anos foi perdendo essa imagem lírica do sistema educativo. Admite que muitas problemas prementes foram entretanto resolvidos, mas, tendo em conta a actual postura do governo socialista, já não acredita em alterações substanciais relativamente à política para o sector.
"Dá-me a impressão de que não interessa aos governos que a maioria dos alunos conclua com sucesso a escolaridade básica, porque depois não sabem o que fazer com eles... Quanto mais qualidade tiver o ensino, mais reivindicativos eles se tornam e mais problemas de ordem social colocam. É mais um problema político do que outra coisa..."
Apesar de a escola em que trabalha ser relativamente tranquila em termos disciplinares, tal não o impede de pensar no crescente clima de indisciplina como uma das principais preocupações colocadas hoje à escola. Um problema a requerer uma atenção especial por parte dos responsáveis educativos, diz, a par com a melhor articulação dos currículos e com a racionalização dos programas educativos. "Tenta tapar-se os olhos com curriculos e programas demasiado ambiciosos, mas no fundo os professores continuam a ensinar como o faziam há vinte anos. E isto é que é preciso mudar".
Nesse sentido, diz ter uma voz crítica relativamente aos currículos flexíveis, particularmente no que toca à introdução das aulas de noventa minutos. As opiniões que tem auscultado são, na sua maioria, críticas. "Os alunos já dificilmente se concentram em aulas de cinquenta minutos, quanto mais agora... Se alguma vantagem trouxe foi o de haver menos barulho nos corredores. Mas será que é isso que interessa? Penso que sem se mudar a prática pedagógica dos professores esta medida, por si só, não irá trazer grandes mudanças".
Ainda acredita no sindicalismo e nos espaços de reflexão por ele proporcionados, por funcionarem como instrumento de debate e de alerta no seio da classe docente. Uma oportunidade para levar às escolas ideias transformadoras sobre o ensino e trabalhá-las com os outros professores. Isto, apesar de reconhecer que aqueles que lá trabalham precisam praticamente de "mendigar" para se fazer ouvir perante os problemas, o que, naturalmente, traz algum desalento. É por isso que lamenta que sejam os professores mais novos os primeiros a desinteressar-se da actividade sindical e a batalhar por uma profissão mais digna.
Nada que o surpreenda, porém. Os professores da sua geração, considera Jorge Pinto, tiveram uma experiência de vida e uma vivência política "necessariamente diferente" dos colegas mais novos, formados num percurso académico essencialmente "individualista". "Talvez por isso estejam mais preocupados em conseguir um emprego do que em solidificá-lo", diz. Um exemplo da falta de solidariedade que, infelizmente, considera existir entre os professores.


Há professores em emprego precário

Elizabete Costa é professora na EB1 de Vairão, em Vila do Conde, e sente que a principal dificuldade colocada hoje ao 1º ciclo passa, fundamentalmente, pelas condições de trabalho oferecidas a alunos e professores, que variam consideravelmente de acordo com as zonas geográficas do país. "Trabalhei em escolas do Alto Douro e sei que as condições oferecidas são muito diferentes das existentes no litoral e nas zonas urbanas". No interior, explica, por experiência própria, muitos professores enfrentam situações de emprego precário e trabalham, na sua maioria, em escolas degradadas, não podendo desse modo exercer a sua profissão com a mesma dignidade e qualidade dos outros.
A precaridade laboral é, neste sentido, um dos principais entraves à melhoria do sistema de ensino. Tal como ela - professora do quadro de vinculação distrital - existem muitos outros docentes a mudar anualmente de escola, tornando mais difícil a sua integração no meio escolar e o desenvolvimento de um projecto educativo coerente. Só no distrito do Porto, refere, são mais de dois mil professores. Por outro lado, continuam a faltar estruturas de apoio básicas como cantinas escolares e centros de recursos.
É por estas e outras razões, considera, que a escola é por vezes apontada como "reprodutora de desigualdades". E quando se diz que os professores são os culpados por esta situação, tal não corresponde à verdade. "Nós tentamos dar o nosso melhor e sentimo-nos frustrados quando não o conseguimos, muito por falta de apoio das entidades competentes". Sozinhos, garante, "os professores não têm qualquer capacidade de manobra".
Quando questionada face às expectativas em relação ao poder político, a opinião é, também aqui, de desilusão. "Sou pessimista. No princípio da legislatura a educação era encarada como uma paixão, mas se "espremermos" bem o resultado da actividade governativa ela não correspondeu às expectativas". É por isso que o aumento do investimento na educação e a melhoria das condições de trabalho dos professores "tem de passar da teoria à prática". Só dessa forma, diz, "poderemos ter alunos mais autónomos e críticos, habilitados a construir um país melhor".
Como última mensagem, uma palavra para um factor que, na sua opinião, seria determinante para uma melhoria do sucesso escolar dos alunos: uma maior complementaridade entre a educação pré-escolar e o 1º ciclo.


Educadores para guardar crianças

Susana Nunes, educadora da rede pública há dezasseis anos, colocada no jardim de infância de Lousada, diz que não faz sentido existir uma fronteira tão vincada entre o pré-escolar e o 1º ciclo. Na sua opinião, a constituição de agrupamentos de escolas foi uma boa oportunidade para cruzar contextos de trabalho próximos - de que estes são dois exemplos claros - mas, em muitos casos, tal não foi possível por eles terem sido "instituídos de forma administrativa, não respeitando as especificidades de cada zona e a vontade dos professores".
Outra das questões que a preocupa é o facto de existir um fraca componente de apoio à família, nomeadamente no que diz respeito ao prolongamento de horários. Os educadores de infância, garante, não são contra horários alargados, mas para tal deve haver contrapartidas, como o alargamento dos quadros e a melhoria das condições pedagógicas - actividades de ocupação, por exemplo - para que os jardins de infância não sirvam apenas para "guardar crianças".
Por concretizar está também o aumento da oferta da rede pré-escolar. Ainda hoje, no início do século XXI, existem crianças em Portugal que não têm acesso à educação pré-escolar por falta de lugares nos jardins de infância. E esta lacuna está directamente relacionada com uma outra questão, a do desemprego e a da contratação precária, que se resolveria facilmente com a criação de mais infantários.
Ao contrário do que acontecia até há alguns anos, a educação pré-escolar é hoje encarada pelos pais e pela comunidade educativa como um estágio importante no desenvolvimento da criança. O trabalho desenvolvido ao longo dos últimos anos permitiu que se passasse a ter uma visão diferente da educação pré-escolar e a compreender melhor o objectivo do seu trabalho. E nessa tarefa, admite, os educadores têm ainda uma grande responsabilidade.
Esta valorização, no entanto, ainda não conseguiu vencer a ideia de que os educadores são os "parentes pobres" da classe docente. Susana Nunes não compreende esta atitude por parte de alguns colegas, considerando que cada professor devia estar consciente da importância do papel representado por cada um e valorizar a classe como um todo.
Por outro lado, é necessário que o governo, através do Ministério da Educação, tenha consciência de que "as crianças de hoje serão os homens de amanhã". Cita, nesse sentido, palavras de João Formosinho: "o desenvolvimento de um país vê-se pela forma como ele investe na educação". "Esperemos que o governo ouça isto", afirma.


Eternas indefinições do Secundário

O ensino secundário é, provavelmente, o sector que melhor ilustra a política de indefinição do ministério da Educação. Essa, pelo menos, é a opinião de Rafael Tormenta, professor de Português na escola secundária de Oliveira do Douro, em Gaia, que identifica duas grandes questões que dominam a sua actualidade.
Em primeiro lugar, a indefinição acerca do conceito de ensino secundário e das suas finalidades: "Não se percebe muito bem se o ensino secundário é suposto funcionar como um complemento do ensino básico, como uma via de preparação para o ensino universitário, ou se se deve assumir por si mesmo como uma finalidade", refere.
Por outro lado, a mudança da natureza dos alunos que o frequentam - cada vez mais jovens, por razões de ordem social - e a crescente dificuldade de adaptação dos professores a essa alteração. Os alunos, refere, passam do ensino básico para o secundário sem muitas orientações vocacionais. "E isto é complicado, porque chegam alunos de classes culturais diversas, inclusivamente diferentes da cultura da escola, às quais nem professores, nem os restantes agentes da comunidade educativa, se conseguem adaptar". Para responder a este dilema, os professores têm, eles próprios, de "saber o que querem da escola".
Ao reintroduzir-se os exames nacionais no ensino secundário, criou-se nos professores a ideia de que estes tinham de prestar contas, um pouco como acontecia antes do 25 de Abril. "É uma vergonha se eu dou nota quinze ao aluno e ele só tira doze no exame. E isto é completamente falso, porque na nota de frequência são avaliadas outras capacidades, como o nível de intervenção, participação, a solidariedade, etc... Mas os professores continuam a encarar a avaliação de uma forma muito tradicional". Por outro lado, refere ainda, a atitude pedagógica também não mudou: "está desligada dos alunos e é visível a desadaptação em relação às necessidades deles...". Uma das soluções para mudar este panorama, sugere, passará for fomentar o trabalho de equipa, já que uma das causas é exactamente o facto de cada um "continuar a trabalhar de forma isolada" na sala de aula.
Mas não é só aos professores que cabe apostar na mudança. O Ministério da Educação tem de saber ultrapassar as dificuldades na implementação da sua própria teoria. "Teoricamente as medidas parecem correctas. Mas é necessário saber passá-las à prática. Mesmo em termos burocráticos, as decisões emperram muito nas direcções regionais, onde, apesar de existirem directores regionais e assessores, o sistema permanece inalterado".

Entrevistas conduzidas por:
Ricardo Jorge Costa


  
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Edição:

N.º 90
Ano 9, Março 2000

Autoria:

Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação
Ricardo Jorge Costa
Jornalista do Jornal A Página da Educação

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