Dentro dos limites convencionais definidos como área geográfica do Ribatejo, pode dizer-se que o Tejo constitui uma clara linha de demarcação, ao mesmo tempo que a cidade de Santarém e os arredores mais próximos se arvora como o epicentro da vastidão ribatejana, ainda na memória de o Vale de Santarém ser um dos "lugares privilegiados pela Natureza, sítios amenos e deleitosos em que as plantas, o ar, a situação, tudo está numa harmonia suavíssima e perfeita: não há ali nada grandioso nem sublime, mas há uma como simetria de cores, de sons, de disposição em tudo quanto se vê e se sente, que não parece senão que a paz, a saúde, o sossego do espírito e o repouso do coração devem viver ali, reinar ali um reinado de amor e benevolência", na relembrada impressão romântica de Almeida Garrett nas páginas de Viagens na Minha Terra que se revela ainda hoje como o livro mais emblemático desta região. Mas na variedade da paisagem física e geográfica e na presença do Tejo que corre sem cessar para os sítios de Lisboa, como disse Damião de Góis, o que mais sobressai na história cultural e literária dos lugares do Ribatejo - de Abrantes a Coruche e Benavente ou de Vila Franca de Xira a Alenquer e Golegã - é a constante presença de nomes e obras que desta paisagem ribatejana souberam dar a imagem próxima, directa e incisiva na determinação dos seus contornos sociais e humanos. E, na justa referência aos nomes dos naturais mais ilustres das terras do Ribatejo ou até aqueles que nestas paragens viveram na parte derradeira da sua vida (como Alexandre Herculano que escolheu Vale de Lobos para o refúgio final e aqui pôde ainda escrever um dos volumes da História de Portugal), muitos são os nomes que se devem relembrar como o espírito e a letra mais vivos da própria memória ribatejana. Assim, além de Damião de Góis, Lopes de Castanheda ou Diogo Mendes de Vasconcelos, também marcaram presença digna na cultura literária portuguesa autores como Jerónimo de Azambuja, Tomás de Noronha (um dos nomes mais importantes de Fénix Renascida), Duarte Ribeiro de Macedo, Oliveira Marreca e José Relvas, enquanto entre os contemporâneos merecem destaque no domínio da poesia e prosa de ficção, do teatro, do ensaio e da crítica os nomes de Guilherme de Azevedo, António Botto, Américo Durão, Joaquim Namorado, Natércia Freire, Judite Navarro, Soeiro Pereira Gomes, Alves Redol, Adelaide Félix, José Saramago, Jorge Reis, António Borga, Álvaro Guerra, Maria da Graça Freire, José Alberto Marques, Bernardo Santareno, Franco Nogueira, Júlio Graça, Severiano Falcão, Ramiro Teixeira, Mário Ventura, ou a obra ensaística e erudita de Manuel Lopes de Almeida, Joaquim Veríssimo Serrão e Padre João Mendes, que foi redactor da Brotéria e profundo estudioso da obra do Padre António Vieira e de Eça de Queirós, mas sobretudo se afirmou como teórico de grande lucidez crítica em obras como Teoria Literária e Estética Literária. Por isso, tanto na prosa narrativa como na poesia, em todos os tempos e correntes literárias, sempre coabitam os sinais mais visíveis da vasta lezíria e campos baixos do Ribatejo, na pujança dos valores humanos e dos usos e costumes que perduram há muitos séculos, nas lutas e conflitos das gentes por serem outros os tempos e haver diferentes concepções de vida já bem distantes do casticismo marialva dos "senhores da terra" (Alves Redol em O Muro Branco e Barranco de Cegos ou Álvaro Guerra em Os Mastins e O Disfarce), o fascínio da festa brava por entre actos de heroísmo e valentia com as suas histórias (Rebelo da Silva em A Última Corrida em Salvaterra), a luta pela sobrevivência em tempos de miséria como a dos avieiros e gaibéus (ainda nos primeiros romances de Redol), os trabalhos e duros combates de tanta gente (Soeiro Pereira Gomes em Engrenagem e Esteiros ou Jorge Reis em Matai-vos uns aos Outros e A Memória Resguardada), para sempre se regressar a essa visão romântica de um Ribatejo poetizado nas páginas de Garrett, na lembrança de passarem duzentos anos sobre o seu nascimento na cidade do Porto, e tantas vezes enaltecido em Os Gatos de Fialho de Almeida ou em As Farpas de Ramalho Ortigão. Mas cabe ainda salientar, neste registo forçosamente abreviado sobre a literatura do Ribatejo, a importante obra romanesca de José Saramago, natural da Golegã, que em 1998 foi universalmente consagrado com o Prémio Nobel de Literatura, porque se da Azinhaga ribatejana natal não deu ainda o retrato literário que se espera da sua infância, foi nestes lugares ribatejanos, como tantas vezes já confessou, que bebeu a profunda lição de vida que depois dos sessenta anos serviu para consolidar uma obra que é, sem dúvida, das mais marcantes da ficção portuguesa contemporânea. Serafim Ferreira critico literário Bibliografia - Biblioteca Lusitana de Diogo Barbosa Machado (4 vols.), reedição sob os cuidados do Prof. Manuel Lopes de Almeida, Atlântida Editora, Coimbra, 1965-1967;
- Guia de Portugal - 2º. vol. (Estremadura-Alentejo-Algarve), reedição da Fundação Calouste Gulbenkian - Lisboa, 1983;
- Descrição da Cidade de Lisboa de Damião de Góis, apresentação e notas de José da Felicidade Alves, ed. Livros Horizonte - Lisboa, 1988;
- O Ribatejo (Antologia da Terra Portuguesa), prefácio e selecção de Natércia Freire, Bertrand Editora - Lisboa, 1959;
- Viagens na Minha Terra de Almeida Garrett, edição crítica com introdução e notas de Augusto da Costa Dias, Portugália Editora - Lisboa, 1963;
- Histórias Breves de Escritores Ribatejanos (Adelaide Félix, Alves Redol, António Borga, Jorge Reis, Mário Ventura e outros), ed. Prelo Editora - Lisboa, 1968.
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