Depois de em 1990 ter publicado Vocação do Silêncio, com prefácio de Eduardo Lourenço, onde Albano Martins reuniu toda a poesia editada entre 1950 e 1985, tudo levava a crer que tinha concluído a sua tarefa e nas gavetas ficavam apenas outros papéis e poemas avulsos à espera de melhor oportunidade. Mas não foi esse o seu caso e nestes últimos dez anos valorizou a sua bibliografia activa com mais oito títulos de poesia, de que Escrito a Vermelho acaba de aparecer nos escaparates. E pode dizer-se que o discurso poético não percorreu outras veredas de silêncio ou inquietação, antes se repete na mesma coerência metafórica que se tem caracterizado por uma pessoal expressividade em que tudo é visível e sensível, porque Albano Martins prossegue no caminho de uma arritmia intencional e na propositada forma de dizer o que é essencial, captar a intimidade das coisas, sentimentos e ideias de modo fugaz e insidioso, mas pelos sinais cruzados de outros fogos desvenda as vozes e falas que habitam na sua morada poética feita de uma incisiva "vocação de silêncio", ou no modo próprio de saber olhar e dizer o que se cruza por um discurso transitivo entrelaçado de palavras, timbres e alegrias como "compêndio" por onde se orientam as emoções: «Escrever / é isso: fazer / da vida uma pauta / e um compêndio de espuma». Na pessoal forma de olhar e sentir, Albano Martins percorre outros rios e lugares que povoam uma "poética" intimista dentro de imagens que tanto falam da escrita e dos sentimentos, do silêncio e do amor, da solidão e do espanto como do tempo e da vida, para desenhar esse trajecto percorrido no fio dos anos, na sabida consciência de que «em todos os jogos há sempre / uma carta escondida».Mas nos limites de uma expressão que se desdobra de forma inevitável entre o visível e o dizível das pequenas coisas, ou seja, no claro propósito de sempre querer «dizer o indizível»,o Poeta de Na Margem do Azul uma e outra vez reafirma a mesma serenidade ou a certeza de entoar ainda a canção de todos os dias, com a sensação de que «tudo quanto dizes já o leste noutros livros», e essas linhas de força se reforçam livro a livro pela intenção de não se desviar da rota traçada quase a régua e esquadro e saber que «com cinza / nada se escreve a não ser / as vogais do silêncio». E, pelo sentido claramente transitivo dos últimos livros, se proclama afinal o cansaço das horas e dos dias pelo desejo de «inventar um relógio onde o tempo não decline e um leito onde o sol não adormeça» ou a vontade e o sentimento reflectido sobre a vida e a escrita, que o leva a proclamar no poema que dá o título a este livro: Não lhe dirás o nome, nem é preciso, julgo eu. Basta que se saiba que foi com o sangue que sempre o escreveste. E bastará, por isso, que leiam os teus versos. Porque em todos eles está escrito a vermelho.
Assim, nos mais de sessenta poemas deste livro, o que sobretudo se observa é que o "discurso" poético de Albano Martins denota essa coerência primordial de nas várias conotações da própria linguagem querer dizer que neste livro não deixa uma vez mais de reflectir a mesma imagem transfigurada do real e do sonho, porque «as palavras são ainda necessárias / para dizer a calcinada / lâmina do sangue". E na declarada consciência de muitos dos seus versos saber que possui «uma paleta a que faltam algumas cores» e as tintas de que se serve «são letras que não têm voz». Mas na prosseguida intenção de uma "arte floral" em que subjaz um certo desencanto ou o saber assumido de que «as coisas simples, / mesmo se de ornamento / apenas servem, dispensam / sempre o que é gratuito». Serafim Ferreira Albano Martins ESCRITO A VERMELHO Ed. Campo das Letras / Porto, 1999.
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